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Uma em cada sete mulheres brasileirasUma em cada sete mulheres brasileiras

Pouco debate e muita urgência

(brpress) – No Brasil, uma em cada sete mulheres – 65% delas católicas, segundo pesquisa da UnB – abortaram, mas tema continua tabu especialmente em eleição. Por Gabriel Bonis e Maria Cristina Miguez.

(brpress) – Cinco milhões de mulheres já fizeram aborto ilegal no Brasil. São mulheres comuns, ao contrário de toda a “demonização” e desinformação sobre o tema que, sistematicamente, ronda o pouco ou nenhum debate em torno dele – especialmente em tempo de eleições. O fato é que uma em cada sete mulheres entre 18 e 39 anos, segundo dados do primeiro levantamento sobre o tema no país, feito pela Universidade de Brasília (UnB), em 2009, já fizeram aborto.

Outro mito, o de que “a religião não permite” o aborto, também cai por terra com a pesquisa: 65% destas mulheres são católicas. São ainda predominantemente casadas (64%) e 81% são mães. Ao contrário do que afirma a candidata à  presidência líder nas pequisas, Dilma Rousseff (“a maioria das mulheres que fazem aborto são pobres”), não há interferência de classe social no ato: 23% ganham até um salário mínimo, 31% de um a dois, 35% de dois a cinco e 11% mais de cinco.

Das 2.002 entrevistadas no estudo da UnB, 15% declararam que já fizeram pelo menos um aborto. Projetado sobre a população feminina do país nessa faixa etária, que é de 35,6 milhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esse número representaria 5,3 milhões de mulheres. Pelo Código Penal brasileiro, todas enfrentariam pena de detenção de um a três anos, pois o aborto é permitido somente em casos de estupro e gravidez que coloque em risco a vida da gestante.  

Porém, não são os números que se destacam neste cenário, mas sim suas consequências. “É certo que não se trata de um tema fácil: é espinhoso, é polêmico, é tabu. Mas é preciso encará-lo de frente e encarar os dados apresentados pelas mais recentes pesquisas, sobre a realidade brasileira: estima-se que, anualmente, mais de um milhão de brasileiras induzam o aborto e 250 mil mulheres procurem o Sistema Único de Saúde (SUS), vítimas de complicações decorrentes de abortos inseguros, uma das principais causas de mortalidade materna no país”, afirma a Dra. Maíra Fernandes, presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB-RJ.

Até o estudo da UnB, as estatísticas disponíveis sobre aborto no Brasil eram somente as relacionadas a curetagens feitas nos hospitais públicos – uma média de 220 mil nos últimos sete anos.

Desafios
 
Encarar o polêmico tema, que envolve fortes aspectos religiosos, morais e legislativos, além de operacional no âmbito da saúde pública, é um dos desafios na sociedade brasileira – que, como os presidenciáveis, tende a não debatê-lo.

“Para se discutir seriamente a questão do aborto no Brasil é necessário que se saia da falsa polarização entre ser ‘contra’ ou ‘favorável’. Ninguém é favorável ao aborto. Os que defendem a descriminalização apontam que, mesmo com a lei punitiva, as mulheres não deixam de recorrer ao aborto quando necessário. Só elas sabem das suas necessidades e só elas vêm sofrendo o impacto por essa decisão”, diz o Prof. Dr. Maurílio Castro de Matos, autor do livro A Criminalização do Aborto em Questão (Editora Almedina, 112 págs., R$ 37,90), professor da Faculdade de Serviço Social da UERJ e assistente social do SUS em Duque de Caxias (RJ).
 
Presidenciáveis

Em ano eleitoral, o tema fez parte de debates mais institucionais e quase nunca em rede nacional. Os questionamentos aos principais candidatos à presidência da República Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB) e Marina Silva (PV), que evitaram aprofundar a discussão sobre o assunto, mostram que o aborto está longe de uma abordagem séria pelo poder público no Brasil. A exemplo do que pensa o candidato José Serra, a descriminalização do aborto promoveria uma “carnificina” no Sistema Único de Saúde (SUS). “Dificultaria o trabalho de prevenção, como no caso da gravidez na adolescência, que é um assunto muito grave. Vai ter gravidez para todo o lado porque a mulher vai para o Sistema Único de Saúde e faz o aborto”, disse.

“Eu não acredito que tenha uma mulher que seja favorável ao aborto”, declarou, sem medo de errar, a candidata Dilma Rousseff, quando perguntada por uma internauta no debate Folha/UOL. Será? Qual seria o resultado de um plebiscito, como propõe Marina Silva e como foi feito em Portugal em 2007? Marina, que afirma ser pessoalmente contrária ao aborto por razões religiosas, acusou Rousseff de mudar de opinião para conseguir votos. “Eu não faço discurso de conveniência. A ministra Dilma já disse que era a favor e depois mudou de posição. Não acho que em temas como esse se deva fazer um discurso uma hora de uma forma e outra hora de outra só para agradar o eleitor”, alfinetou.
 
Apesar da surpreendente revelação da pesquisa da UnB, um dos aspectos que trava o debate no Brasil é questão religiosa. O país enfrenta forte oposição ao aborto por parte da Igreja Católica (religião de 64% dos brasileiros) e Evangélica (20%), capazes de influenciar a opinião pública. No entanto, há exemplos de países que colocaram de lado suas crenças para se propor a discutir o assunto. Caso de Portugal, fortemente ligado aos valores cristãos, que realizou plebiscito descriminalizando o aborto até a décima semana de gestação a pedido da mulher.

Lei para todos

“A questão é que esses argumentos vêm sendo reiteradamente desqualificados em nome dos preceitos das religiões. O Estado brasileiro é laico e deve proteger todos os seus cidadãos”, afirma Matos. “O legislador deve legislar para todos. Precisamos construir um país que respeite as diferenças. Descriminalizar o aborto não significa impor essa possibilidade para todas as mulheres, as que foram contra continuarão sem recorrer ao aborto quando necessário”.

Porém, segundo a advogada Maíra Fernandes, é preciso deixar claro alguns aspectos que envolvem uma possível descriminalização do aborto. “Quando afirmo que o aborto deve ser legalizado, refiro-me à necessidade de regulamentação da matéria, permitindo-se a prática do aborto, por exemplo, desde que por expressa vontade da gestante, praticada por médico habilitado e no trimestre inicial de gestação”, explica.

Os altos índices de abortos ilegais realizados no país levantam a dúvida se a legislação punitiva atual é a melhor solução para enfrentar o problema ou se o tema deveria ser tratado como caso de saúde pública. Afinal, os procedimentos abortivos, muitas vezes, são realizados de forma precária, acarretando problemas para as mulheres como infertilidade ou até mesmo morte, além de enormes custos para o Sistema Público de Saúde (SUS), onde são tratadas a maioria das complicações.

Porém, o medo de que a legalização aumente drasticamente o número de abortos também é um aspecto muito abordado – vide o discurso do candidato José Serra. Para Maíra Fernandes, essa afirmação não tem base. “Em nenhum país em que foi legalizado o aborto houve um aumento significativo de sua prática. É claro que, em um primeiro momento, os números aparecem, saem da clandestinidade, tornam-se oficiais, mas isso não significa aumento de abortos”, argumenta. “A legalização, ao contrário, pode evitar a realização de muitas interrupções da gravidez, na medida em que a alteração da lei venha acrescida de inúmeras medidas governamentais, de políticas públicas, de atuação de assistentes sociais e psicólogos”.
 
O que fazer

Para o Ministério da Saúde, o assunto deve ser tratado como saúde pública e, por meio do SUS, criou, em 2004, a Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, para garantir o direito constitucional da mulher em processo de abortamento ao atendimento médico. Além de qualificar profissionais de todo o país e abordar questões importantes para melhorar o quadro no país, como assistência durante o parto e planejamento familiar.

“Para uma discussão sobre a mudança da lei no Brasil, temos que  juntar quatro argumentos: o grave problema de saúde pública; a autonomia da mulher e o respeito, num Estado laico, à diferença; a diferenciação das fases de gestação (diferenciar embrião e feto de vida humana); e saber se população brasileira quer realmente que as mulheres que realizam o aborto sejam presas”, defende Maurílio Castro de Matos. E isso só é possível com um plebiscito.

(Gabriel Bonis e Maria Cristina Miguez/ Especial para brpress)

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