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Look de Imane Ayissi, da coleção Outono-Inverno 2019. Foto: Fabrice MalardLook de Imane Ayissi, da coleção Outono-Inverno 2019. Foto: Fabrice Malard

Africa Fashion redescobre a moda africana

Primeira exposição de moda africana realizada no Reino Unido revela cena pouco conhecida e muito vibrante. Por Andrea Kirst.

(Londres, brpress) – De imediato, Africa Fashion impacta. A primeira exposição de moda africana realizada no Reino Unido, pelo museu londrino Victoria & Albert, revela uma cena pouco conhecida – até mesmo por alguns dos mais cosmopolitas fashionistas. Muito menos espera-se que essa produção tenha fluidez, quebre paradigmas e dialogue com coleções contemporâneas de criadores mainstream.

Preconceito? Certamente. Africa Fashion nos testa nesse quesito e surpreende, enquanto somos levados a entender por que a maneira de vestir dos africanos fortalece sua identidade e orgulho cultural. E que a moda que se faz na África, desde os anos 60 até hoje, é tudo isso e muito mais.

Rosa-choque

Que o diga o look de calça e capa de seda e ráfia em pink fúcsia do designer camaronês Imane Ayissi da coleção Mbeuk Idourrou, de 2019, apresentada em Paris e confeccionada por artesãos de Gana, Camarões e Nigéria. Ele é um dos únicos designers da nova e próspera cena africana a desfilar nas semanas de moda da capital francesa.

Editores de moda poderiam fácil e erroneamente apostar que o elegante traje rosa-choque foi inspirado na coleção de Inverno 22 de Pierpaolo Piccioli para a Maison Valentino. Só que não: o conjunto de Ayissi é anterior à coleção pink do italiano.

África não é um país

Em meio a vídeos de desfiles das semanas de moda de Lagos ou Accra, editoriais e imagens do lifestyle em cidades africanas, uma nítida sensação paira no ar: a de frescor. Constantemente bombardeados pelas tendências globalizadas lançadas por Paris, Milão, Nova York e Londres, temos pelo menos uma certeza: o que vem a seguir é bem diferente, vibrante e, principalmente, original. 

Também concluimos que a curadoria optou por não traçar paralelos com a moda “ocidental”. E que, assim, esquivou-se de apontar apropriações culturais ou supostas “homenagens” de outros designers. Também é claro que, desta maneira, foi evitada qualquer referência ao colonialismo.

O que a curadora Christine Checinska enfatiza é que Africa Fashion não pretende mostrar o todo pela parte – “mapear e exibir a produção de moda de um continente tão vasto e diverso seria tentar o impossível”, admite. Afinal, a África não é um país, como ensina o livro Africa Is Not A Country: Breaking Stereotypes of Modern Africa, do nigeriano Dipo Faloyin, recém-lançado no Reino Unido e saindo nos EUA, em setembro.

Com 25 países representados em 250 itens, dos quais 70 foram adquiridos recentemente pelo V&A, o foco é claro: Africa Fashion é parte de um compromisso do museu em aumentar o acervo de moda e arte africanas e da diáspora africana, especialmente desde 2020, quando o movimento Black Lives Matter ganhou força.  

Esperamos que esta exposição estimule uma renegociação da geografia da moda e se torne um divisor de águas para o mercado”, diz a curadora.

Modelos na Lagos Fashion Week. Foto:Stephen Tayo
Modelos na Lagos Fashion Week. Foto:Stephen Tayo
Ano da África

Na sala Política e Poética do Pano, vários objetos como revistas, discos, cartazes, pôsteres, livros e vídeos revelam a “renascença cultural” que começou em 1960 – ano em que 17 países declararam independência das regras coloniais e que foi chamado de Ano da África. As décadas de 1950 e 1990 concentram os anos de libertação africana e o ressurgimento da valorização da herança ancestral. 

A confecção e uso de roupas tradicionais de tribos é examinada como um ato político estratégico, em que os africanos reivindicaram sua ancestralidade. Ali está também um disco de Fela Kuti: o aclamado Beast of No Nation, lançado em 1986, logo após sua saída da prisão na Nigéria, ainda sob o regime militar. Fela é um dos artistas que vestiu tradicionais roupas africanas em suas turnês pelo mundo, marcando e divulgando essa posição.

Artesanal e cross culture

Uma pequena mas encantadora seção exibe tradicionais tecidos africanos, como Kente Aso-Òké – tecidos antigos costurados em tiras para criar um “novo” e “único” tecido. Cada padrão tem um nome diferente, inspirado por um evento histórico ou um provérbio.

Também estão expostas amostras de àdìre (“tie dye”) eléko, que usa farinha de mandioca no processo de tingimento, e o àdìre simples – estampa no robe do designer ganense Kofi Ansah, inspirado no quimono japonês. É um dos raros momentos de cruzamento de culturas, como um conjunto feminino de jeans superelegante, também de Ansah.

Vanguarda

Na sala The Vanguard, dedicada à  primeira geração de designers de moda africanos reconhecidos internacionalmente, está o trabalho dos pioneiros a misturar motifs (estampas tradicionais) africanos e alfaiataria. 

Alphadi, legendário designer do Mali, chama atenção com um vestido de algodão e bustier de metal, típico da cultura tuaregue, em preto e dourado, que o estilista doou ao V&A. Chamado de “Mágico do Deserto”, ele começou a costurar aos sete anos como aprendiz, chegou a estudar design em Paris e alcançou sucesso global, com boutiques em várias partes do mundo.

Além de Alphadi, vemos a ascensão de outros criativos pioneiros como Shade Thomas-Fahm, considerada a primeira designer de moda da Nigéria  e Chris Seydou, que trabalhou em Paris nos anos 70 com Saint Laurent e Paco Rabanne, e promoveu têxteis indígenas africanos, como o bògòlanfini, no cenário global.

Fotos de meados ao final do século 20 misturadas aos looks funcionam como documentos do clima social e cultural no continente. As imagens mostram o crescimento da modernidade, cosmopolitismo e consciência da moda entre a população africana – vide os retratos de Sanlé Sory, Michel Papami Kameni, Rachidi Bissiriou e James Barnor.

Nova geração

No andar superior, dividido em sete seções que apontam direções dos designers contemporâneos  – Minimalismo, Mixology, Artisanal, Afrotopia, Adornment, Sartorialists e Co-Creation -, a mostra revela uma nova geração que está fazendo um barulho estrondoso, quebrando barreiras de gênero e raça, de maneira pluralista.

Há marcas transitando do ready to wear a couturiers, se apropriando da rica cultura como fonte de inspiração. Todos têm em comum o uso de técnicas artesanais e estamparias tradicionais autênticas da África. 

Emoldurado numa pirâmide dourada, o vestido-túnica da Maison Artc, do designer marroquino Artsi Ifrach, propõe  este diálogo intercultural. Intitulado A Dialogue Between Cultures, foi criado especialmente para a exposição – inspirado por ela –, em seda com mãos bordadas sequencialmente, como que numa linguagem de sinais.

De Ruanda para o mundo

O bloco Minimalist é tudo – menos estereotipado.  Um look masculino da maison ruandesa Moshions – que apresentou coleção na Pitti Uomo 2022, em Florença – homenageia o tradicional Umwitero, traje cerimonial usado pela realeza ruandesa. Há também miçangas e bordados inspirados na estética Imigongo, que não tiram o apelo moderno da alfaiataria impecável.

Criada pelo estilista Moses Turahirwa, a Moshions ganhou vários prêmios  por re-imaginar formas tradicionais de Ruanda e motivos culturais em peças contemporâneas, tanto em alfaiataria, feitas sob-medida, como em coleções, como Imandwa, de 2022, destaque na Vogue Itália.

Trajes de Kofi Ansah para casamento de Ashley Shaw-Scott Adjaye e David Adjaye. Foto: Robert Fairer
Trajes de Kofi Ansah para casamento de Ashley Shaw-Scott Adjaye e David Adjaye. Foto: Robert Fairer

Tecidos e adornos tradicionais  

Mixology é dominada pela designer nigeriana Lisa Folawiyo, que começou sua própria marca em 2005 depois de comprar 12 metros de tecidos de Ankara (resistentes a cera inspirados no batik adotados em toda a África Ocidental). Hoje revende suas peças de apelo comercial mundialmente em lojas e e-commerces como Selfridges, Moda Operandi e Mytheresa. 

Lisa cria looks combinando padrões tradicionais vibrantes com silhuetas contemporâneas finalizadas à mão por artesãos especializados – que levam aproximadamente 240 horas para incrementar uma única peça com miçangas, lantejoulas e cristais exclusivos da marca. O resultado é lindíssimo.

Outra designer que explora o uso de tradicionais adornos é a nigeriana Bubu Ogisi, da IAMISIGO. Dedicada a preservar as técnicas têxteis ancestrais do patrimônio africano, a designer trabalha com pequenas comunidades artesanais em todo o continente e destaca seus saberes antigos. O resultado são coleções de peças de arte vestíveis cuidadosamente criadas para celebrar a cultura e a moda africana.

Curandeiros

A espiritualidade africana emana com um traje de Thebe Magugu, como parte da seleção Afrotopia:  uma combinação de vestido-camisa, calças, avental e finalizado brilhantemente com um chapéu. É o look do primeiro designer africano a ganhar o prestigiado Prêmio LVMH, em 2019.

Sua coleção, intitulada Alquimia, faz referência a ukuthwasa, o chamado espiritual para tornar-se um curandeiro tradicional. As estampas são inspiradas em ferramentas de adivinhação, como conchas e apontador de lápis.

Quero-mais

A seção Adornment reúne peças esculturais e é a única que deixa a desejar na exposição. É uma pequena amostra do que se espera de adornos africanos.

O gosto de quero-mais permanece com relação às colagens do fotógrafo Stephen Tayo, da Nigéria. A série, intitulada What If?, explora e questiona a expectativa de gênero.

A saída é pela porta de entrada – algo incomum nos museus ingleses, que conduzem a saída estrategicamente passando pela loja de souvenirs da exposição. Falando nisso, visite a loja de Africa Fashion, se puder. Recheada de artigos artesanais, livros e acessórios a preços interessantes, é onde o apelo comercial da moda africana torna-se irresistível.

(Andrea Kirst, especial para brpress)
Vídeo oficial do V&A sobre a exposição Africa Fashion.

Africa Fashion fica no V&A, em Londres, até 16 de abril de 2023. Para visitação consulte o site vam.ac.uk

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Andrea Kirst

Especializada em Jornalismo Criativo pela New School For Social Research (NY) e Design Experimental de Moda pela Central Saint Martins, em Londres, onde mora há 10 anos, trabalhou na indústria da moda e colabora com a brpress.

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