
Cisne Negro, demoníaco
Thriller acerta ao transformar clássico do balé e seu universo em metáfora da vida, da solidão e da obsessão pela glória.
(brpress) – As pernas saem trêmulas da sessão. Rostos pálidos. A cabeça em piruetas. São efeitos de Cisne Negro (Black Swan, EUA, 2010), um dos filmes mais intensos da safra Oscar 2011, que estreia em circuito nacional nesta sexta (04/02). É estatueta de Melhor Atriz dada como certa a Natalie Portman, em total entrega como a insegura e psicótica bailarina Nina. Nunca ela esteve tão bem. Nunca seu cisne alçou tamanho voo.
Arrebatador, o longa de Darren Aronofsky (O Lutador) tira tudo que pode da atriz, magérrima como a primeira bailarina do Balé da Cidade de Nova York, consumida fisicamente pela rigidez e disciplina exigidos pela dança e psicologicamente pela intriga, pela pressão do estrelato, pela inveja, pela superproteção materna, pela vida assexuada de casa-trabalho. Nina é uma jovem problemática e obcecada pela carreira.
Impuolso e transgressão
O diretor do filme fez do fascinante universo do bale clássico uma metáfora da vida de uma garota 100% dedicada ao trabalho, que se descobre sozinha num covil de Leões. Ela simplesmente tem de ser forte para não sucumbir, desmoronar. O diretor da companhia,
Thomas Leroy (Vincent Cassel, ótimo), faz do balé Cisne Negro uma metáfora da transformação de Nina: da garota virginal e certinha, bailarina ultratécnica e “perfeita”, ele quer extrair uma fera, volúpia, sedução, impulso, transgressão.
Nina sucumbe ao jogo de sedução e poder de Leroy e, rapidamente, começa a cavar seu próprio abismo rumo à consagração na ribalta. Fiel ao mundo – e ao poder – das artes cênicas, em especial ao torpor de um bailarino no palco,
Cisne Negro é um retrato perturbador e sombrio da glória a qualquer custo. O gozo só existe no palco. Por trás das coxias, é só sombra.
Nesse espírito, o filme cresce a um ritmo vertiginoso e devorador – tudo ao som hipnótico e cartártico de Tchaikovsky. Não há clemência a ninguém – todos são fracassados e desprovidos de caráter, tentando sobreviver num espetáculo que, como o balé dramático original do compositor russo, encomendado pelo Teatro Bolshoi, em 1876, fracassou na estreia não por causa da música, mas pela performance inadequada dos bailarinos e da orquestra.
Triângulo
O que sobrevive em Cisne Negro é a determinação de Nina para interpretar Odette – a princesa transformada em cisne branco, juntamente com suas donzelas, pelo feiticeiro Rothbart (figura mais que assustadora no filme) – e também a feiticeira Odile, que se passa por ela na versão de um cisne negro, pelo qual o príncipe, cujo amor e só ele libertaria Odette do feitiço, se apaixona.
Na visão de Nina, é Lily (Mila Kunis), uma sensual e traiçoeira bailarina da companhia o próprio cisne negro – ainda mais quando ela é escalada como sua substituta. Para completar o triângulo, entre ela e Lily há a histérica e destrutiva Beth Macintyre (Winona Ryder, excepcional) como uma amargurada e aterrorizante ex-primeira bailarina substituída por Nina, que se vê nela à medida em que rola a projeção.
Realismo fantástico
Trágico e belo, o longa reproduz com traços pós-modernos e urbanos a agonia da protagonista que, massacrada pela inocência e graça do cisne branco, não tem outro caminho a não ser incorporar o cisne negro. Essa mutação acontece de fato no filme, com ares de realismo fantástico.
Natalie se preparou 10 meses e, como a princesa de O Lago dos Cisnes, se transformou numa balarina. Aronofsky aplaudiu, convencido de que o trabalho físico também a conectou com o trabalho emocional. Esse também era o fio condutor de O Lutador (The Wrestler, EUA, 2008), estrelando Mickey Rourke que, aliás, encontra em Barbara Hershey (a mãe de Nina) um equivalente feminino – repara como a feição dos dois é parecida.
Maldades à parte, Cisne Negro é um suspense psicológico soberbo, onde os demônios estão à solta, em pele de cordeiro – ou melhor, penas de cisne.
(Juliana Resende/brpress)
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