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Mexicano Guillermo del Toro é o primeiro diretor latino a ter um filme com 13 indicações ao Oscar. Foto: Photo by Tim P. Whitby/Getty Images for BFIMexicano Guillermo del Toro é o primeiro diretor latino a ter um filme com 13 indicações ao Oscar. Foto: Photo by Tim P. Whitby/Getty Images for BFI

Os monstros de Guillermo del Toro

(Londres, brpress) - Diretor de A Forma da Água, recordista de indicações para um latino em toda a história do Oscar, fala de suas inspirações, transpirações e desejos, no London Film Festival.

(Londres, brpress) – O mexicano Guillermo del Toro é o primeiro diretor latino a ter um filme com 13 (sim, treze) indicações ao Oscar na história da Academia de Ciências e Artes Cinematográficas de Hollywood. A Forma da Água (EUA, 2017), que estreia ao Brasil em 25/01, é um filme de amor com muitas camadas de subversão. É basicamente sobre o diferente. 

Obcecado por monstros desde a infância, del Toro (Cronos, roteirista de todos O Hobbit, Hellboy 1 e 2, no roteiro e direção, Blade e Pinóquio, a ser concluído este ano)  é mestre em colocá-los em seus filmes, desafiando pré-conceitos, medos e repugnâncias. Aos 54, o diretor fala de muitas referências de quando era um menino em Guadalajara, onde nasceu. 

São estas lembranças, mescladas com fatos e intenções que apimentam sua bem-sucedida carreira cinematográfica, que ele revela na conversa franca com o público no evento Screen Talks, do 61o. BFI London Film Festival, realizado em outubro de 2017, em Londres, obviamente antes de sua primeira indicação ao Oscar (parece que veio tudo de uma vez).  

A reportagem da brpress estava na plateia lotada de fãs intrigados com as inspirações do diretor para o onírico e ao mesmo tempo brutal A Forma da Água, um dos destaques do Festival de Cinema de Londres. Del Toro abre o jogo: “Filmar é um ato de amor. E, como a água, o amor não tem forma”. No calor das treze indicações ao Oscar 2018, reproduzimos os principais trechos do bate-papo.   

Você ama monstros e isso é evidente em muitos de seus filmes – incluindo A Forma da Água. Por quê? 

Guillermo del Toro – Fui uma criança muito estranha e solitária. Achava ótimo a companhia neles. Meu irmão e eu, uma vez, ficamos acordados até tarde e assistimos à série The Outer Limits (1963), um episódio chamado The Mutant. Tinha quatro anos e fiquei gritando assustado. Aquilo me marcou pra sempre. Fazia xixi na cama e via monstros em todos os locais do quarto. Resolvi fazer um pacto com eles, para poder ir ao banheiro. Mais tarde, uma terapeuta me falou que minha obsessão por monstros vem daí – do respeito a nossos medos. Desenhava muitos monstros quando era pequeno e meus pais ficavam preocupados. Um dia, minha mãe foi à cozinha e viu aqueles desenhos medonhos e disse ao meu pai: “Acho que Guillermo não é uma criança normal”. Meu pai respondeu: “Eu desenhei isso”. (risos) 

E nas artes? O que mais o influenciou na obsessão por monstros?

GDT – Quando li Frankenstein, de Mary Shelley, fiquei de quatro. Vi ali todas as questões fundamentais da humanidade: por que estou aqui, de onde vim, quem é meu criador, etc. Depois segui na linha de terror fantasia e fui para Edgar Allan Poe, passando para Victor Hugo, Oscar Wilde, Robert Louis  Stevenson (autor de Strange Case of Dr Jekyll and Mr Hyde), Henry James… Mesclava literatura vitoriana, contos que são considerados antropologia, com quadrinhos. No cinema foram dez anos criando monstros, primeiro com uma empresa de efeitos especiais e depois como roterista e diretor, calibrando o desafio da maquiagem e do cenário digital. Antes de fazer Cronos (1993), meu primeiro filme, trabalhei em 21 produções, a maioria para TV, como o seriado mexicano Hora Marcada que Alfonso Cuarón [cineasta conterrâneo e contemporâneo de del Toro) chamava de “The Toilet Zone’, por ver uma versão pobre de Twilight Zone. (risos) 

É verdade que os monstros japoneses o inspiraram? 

GDT – Sim. Quando eu era criança, assistia aos mesmos programas que um garoto em Tóquio: Ultraman, Ultraseven e tudo mais de Tokusatsu [expressão japonesa “tokushu kouka satsuei”, traduzida como “filme de efeitos especiais”]. Queria muito fazer um filme com monstros assim, destruindo tudo e brigando entre si. Assim nasceram os Kaiji, os monstros que emergem do mar para atacar a Terra de Círculos de Fogo (Pacific Rim, 2013). Eu me diverti muito fazendo este filme. Mas no lançamento, foi tratado equivocadamente como Transformers.  

Você tomou muitos nãos? Quais foram suas piores experiências?

GDT – Cronos foi um pesadelo para ser feito. Tomei vários nãos do governo mexicano e depois ganhou vários prêmios. Minha primeira experiência americana como diretor também não foi fácil: Mutação (Mimic, 1997).  Foi quando trabalhei com a Miramar dos Weinsteins [o produtor Harvey Weinstein, acusado de vários assédios sexuais, e seu irmão Bob Weinstein]  e meu pai foi sequestrado. Não sei o que foi pior, mas pelo menos no sequestro eu sabia o que eles queriam. Em Mimic perdi muitas batalhas, mas aprendi a lutar pelo que eu queria.

Porque você sempre escala o ator Doug Jones para interpretar seus monstros? Foi assim em Hellboy 2 e ele é o homem anfíbio de A Forma da Água. 

GDT – Doug é um excelente ator e consegue ter aquele grau de dedicação de, por exemplo, dormir maquiado e voltar ao set no dia seguinte só precisando de uns retoques – o que é uma baita economia de tempo e dinheiro, já que algumas maquiagens demoram até oito horas para ficar prontas. Não é todo ator que funciona como um monstro, mesmo maquiado. E também tem de saber trabalhar num ambiente digital, num cenário gerado por computador.

O que acha de ser diretor?

GDT – É uma profissão estranha, porque você tem de ser maleável e um durão ‘motherfucker’ ao mesmo tempo para conseguir tirar seus projetos do papel e trabalhar com os atores que deseja, conquistando-os, e dizer ‘não’ aos estúdios quando querem modificar seu filme. Há muitas brigas e você tem de brigar para defender seus filmes. Estou nesse negócio há 25 anos. Ser diretor é o exercício de controle. A realidade é que dirigir é a arte de orquestrar acidentes – e eles acontecem todo o tempo durante uma filmagem. Imagine esse caos custando US$ 20 mil por dia. 

Então, podemos dizer que é uma relação visceral?

GDT – Sim. Eu nunca fiz um filme pelo qual não morreria por ele. Não importa se é algo comercial ou independente. Já disse não há projetos extremamente lucrativos e meu agente deve me odiar por amar tanto o que me meto a fazer. 

A Forma da Água é uma história de amor. Como você define esse sentimento? 

GDT – O amor é o sentimento mais supremo e, como a água, o elemento mais poderoso, não tem forma. Você vê o que quer. Simplesmente acontece. Pode ser alguém cm duas vezes sua idade, do mesmo sexo, de uma cultura e religião completamente diferente da sua. E ainda assim, é inevitável. A Forma da Água é sobre isso e o fato de a criatura e a personagem de Sally Hawkins se envolverem romanticamente é apenas um pano de fundo para questões mais profundas envolvendo o amor – que se manifesta no simples ato de olhar para alguém e enxergar um todo e não uma parte. Compaixão é o grande ato de amor.

Por que escolheu Sally Hawkins (indicada ao Globo de Ouro, ao Oscar e ao BAFTA de Melhor Atriz – ainda concorrendo aos dois últimos prémios) para o papel de Elisa Esposito em A Forma da Água? 

GDT – Escrevi o papel para ela. Além de ser uma tremenda atriz, ela tem uma beleza real e do tipo L’oréal.  Escrevi para o agente dela e falei: ‘Fiz um filme para Sally’. Depois, encontrei com ela numa festa em que havia bebido bastante. Quando estava de saída, ela apareceu. Eu gritei: ‘Fiz um filme com um papel pra você – uma faxineira muda que se apaixona por um peixe!’. Ela respondeu, sem jeito: ‘Joia!’. 

A Forma da Água é um filme feminista? 

GDT – Eu sou um humanista e tenho medo das restrições a esta condição. Escrever papéis femininos é como ter um relacionamento com elas. Não dá para colocá-las no porão e nem num pedestal. Procuro escrever sobre mulheres normais e Elisa Esposito é bem normal – por isso, fiz questão de incluir masturbação no filme. Estou mais interessado na imperfeição – e é por isso que gosto de monstros – do ser humano, na complexidade. 

Filmar e assistir a um filme também é um ato de amor? 

GDT – Nesse sentido, sim. Contar uma história é capturar um momento qualquer,  sob a forma de uma parábola, e recheá-lo com diversos significados e conceitos importantes. Parábola é uma narrativa curta que, mediante o emprego de linguagem figurada, transmite um conteúdo moral, sendo por isso erroneamente confundida com a fábula. Difere do apólogo, por ser protagonizada por seres humanos.

Você também é roteirista. E o que dizer quando um filme no qual você trabalha por anos não sai do papel? 

GDT – Acontece mais do que gostaríamos. E quando acontece eu digo para a equipe que está trabalhando comigo: “Foi um bom aprendizado”. É como uma audição. Deve ser mesma mentalidade. Eu sei que pode soar estranho, mas pegar o trabalho/papel deve ser o último desejo. O processo deve ser o foco. Porque assim, você está no controle. Diga: “Bem, vou tentar isso”. Vá lá e faça o seu melhor diante de um bando de gente entendida que não está nem aí. 

Como lida com o sucesso? 

GDT – Sucesso é uma miragem. Não existe. Se você precisar dele, nunca terá o bastante. 

Leia mais sobre A Forma da Água aqui

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