Uma Itália adormecida
(Londres, brpress) – Eleito Melhor Filme da Mostra, A Bela que Dorme discute eutanásia como metáfora do país; atriz Maya Sansa fala a Maysa Monção.
(Londres, brpress) – A Bela que Dorme (Bella Addormentata, Itália, 2012), de Marco Bellocchio, eleito Melhor Filme da 36a. Mostra Internacional de Cinema de SP, foi exibido no 56o. BFI London Film Festival, onde a brpress conversou com a atriz Maya Sansa, que interpreta uma viciada em heroína que tenta várias vezes o suicídio.
“A bela adormecida”, tradução mais fiel ao original italiano, retrata o caso verídico de Eluana Englaro, que passou 17 anos em estado de coma. A possibilidade de eutanásia extrapolou as esferas familiar e médica para a imprensa italiana, a Igreja e o Senado, e foi justamente este apelo melodramático que espantou o diretor experiente e cultuado de Vincere e motivou-o a filmar.
“Marco ficou inicialmente chocado com o caso, pois as pessoas tiveram uma posição desrespeitosa”, esclarece a atriz, que já havia trabalhado com Bellocchio duas vezes antes. Não obstante, precisou fazer testes antes de entrar na pele de sua personagem.
“Ele [Marco] não acreditava que eu seria a pessoa certa para o papel. Para mim, Marco é como uma figura paterna. Foi bastante estressante fazer um teste de novo. Tentei me livrar dos clichês de interpretar uma personagem como Rossa”, afirma Maya.
Polêmica
É interessante que não haja um termo na língua italiana para “privacidade”. O vocábulo equivalente é uma apropriação do inglês “privacy”. Isso revela um aspecto curioso para a cultura italiana, pois parece que lá todo mundo pode meter a colher onde não foi chamado.
Em A Bela que Dorme, há uma cena em que o funcionário da recepção de um hotel reserva-se o direito de fazer perguntas indiscretas à hóspede Maria (Alba Rohrwacher). Mas, sem dúvida, a cena mais carregada de ironia com respeito ao modus vivendi italiano é a que em que o senador Beffardi (Toni Servillo) vai aos banhos romanos e acaba pedindo por assistência ao psiquiatra, interpretado por Roberto Herlitzka.
Ali, como um sonho felliniano, Bellocchio põe a nu o cinismo necessário para sobreviver numa sociedade que hiberna: “Não se governa sem o Vaticano”. E também sem o apoio da imprensa, que é praticamente controlada pelo Estado, uma vez que a TV pública é tendenciosa e o maior canal de TV pertence ao ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi.
Personagens extremos
Bellocchio tem uma queda por personagens desequilibrados. Aqui saltam aos olhos quase todos, mas em especial o de Isabelle Huppert, a Divina Mãe. Carola, assexuada progenitora de uma jovem que está em estado vegetativo num quarto da casa, ela é um símbolo de todos os apegos fanáticos que sustentam personas que não encontram mais razão para viver a sua história – Huppert é uma ex-atriz –, e escravizam todos ao redor para dedicar-se a uma jovem entrevada na cama que não responde mais a nenhum apelo terreno. Enquanto dorme, Huppert recita falas de Lady Macbeth. Sintomático inconsciente.
A metáfora com a própria Itália é inevitável. Seria tarde demais para despertar uma nação que pouco a pouco perde a sua identidade cultural e política diante de escândalos humilhantes? Ou enquanto houver uma voz criativa que grita as mazelas de um tédio mortal, ainda há esperança? Ou não?
(Maysa Monção/Especial para brpress)
Assista ao trailer de A Bela que Dorme: