Acesse nosso conteúdo

Populate the side area with widgets, images, and more. Easily add social icons linking to your social media pages and make sure that they are always just one click away.

@2016 brpress, Todos os direitos reservados.

Winnie AkinyiWinnie Akinyi

Do mestre, com ‘varadas’

(Kisumu, brpress*) - Maioria das crianças quenianas apanha na escola, apesar de ser ilegal; aluna relata fato à Juliana Resende.

(Kisumu, brpress*) – Se o Brasil ficou chocado com o caso da professora da Escola Municipal José de Anchieta, em Sumaré (SP), que recomendou “cintadas” e “varadas” aos pais de um aluno supostamente rebelde, é ainda mais chocante o fato de, em escolas de alguns países da África, como o Quênia – visitado em junho pela brpress, a convite do International Reporting Project (IRP) – bater em crianças é uma prática.

Que o diga Winnie Akinyi, 13 anos, aluna da Segere Primary School, uma escola pública na região rural do condado de Kisumu, província de Nyanza, no oeste do Quênia, encravada no meio do nada (Central Alego) – a 11km da cidadezinha de Siaya em direção a Boro. Na falta generalizada de transportes públicos no país e com as péssimas estradas ligando “vilas-satélites” da cidade de Kisumo, a terceira maior do Quênia, longas caminhadas até a escola são parte do esforço que é preciso empreender para  estudar naquele país.

Altos vôos

Mas Winnie não parece desanimada. Ao contrário. Mesmo vivendo com a avó (os pais estão na capital, Nairóbi, em busca de trabalho), que paga com dificuldade os extras cobrados por unforme e livros (a mensalidade é gratuita, mas não há merenda na escola), seu sonho de se tornar uma “air hostess”, termo mais glamouroso para comissária de bordo ou para o demodé aeromoça, seguem bem alimentados.

Olhos brilhando, inglês perfeito (muitos quenianos de baixa renda só falam swahilli e dialetos de suas tribos de origem), sorriso aberto, a garota foi selecionada pela diretoria para falar com os jornalistas visitantes. Perguntada sobre o que mais gosta na escola, diz que é “ter a oportunidade de aprender coisas novas a cada dia”. Uau! Uma resposta e tanto.

“E o que mais odeia na escola?”, pergunta esta jornalista, esperando certa ingenuidade na resposta mas nunca um cortante: “Apanhar”.  Ela diz baixinho, com uma cara de Monalisa, debaixo de uma árvore tão frondosa e gigantesca quanto um baobá (espécime recorrente também no Quênia). Não que queira “entregar” a escola, nem o diretor, nem a professora, muito menos incitar qualquer revolução contra o castigo físico. É uma resposta franca à pergunta.

Praxe ilegal

É verdade, sim. E tem sido uma praxe nas ecolas quenianas, de acordo com o relatório da Human Rights Watch, Spare the Child: Corporal Punishment in Kenyan Schools [LINK http://www.unhcr.org/refworld/docid/45d1adbc2.html [accessed 4 July 2012]. O documento, publicado no site Refworld, do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (UNHCR), reúne diversos depoimentos de crianças e explica que, para a maioria delas, a violência é parte da experiência na escola.

Professores usam regularmente tapas, cintadas e varadas para manter a disciplina da classe e para punir quem tira notas ruins. “O castigo corporal é rotineiro, arbitrário e frequentemente brutal, deixando cicatrizes e cortes, além de ferimentos severos (ossos e dentes quebrados e hematomas). Há casos de crianças que ficaram desiguradas, aleijadas e até morreram em consequência dos espancamentos.

Importante: essa prática de castigo corporal é ilegal no Quênia e viola o Tratato Internacional dos Direitos Humanos. De acordo com o Comitê das Nações Unidas pelos Direitos das Crianças (U.N. Committee on the Rights of the Child), castigos corporais ferem a Convenção dos Direitos das Crianças (Convention on the Rights of the Child),  o tratado mais ratificado sobre a questão em todo o mundo, e além de serem degradantes e perigosos, interferem de maneira cruel no direito fundamental de toda criança de receber educação e estar protegida contra qualquer tipo de violência.

Contradição

A direção da Segere Primary School diz desconhecer o caso. Uma pena. A primeira impressão da escola mista mantida por uma organização religiosa foi marcada por uma recepção memorável, bela e singela: os alunos cruzaram o pátio empinando improvisadas pipas brancas. Todos uniformizados – alguns calçados; outros descalços.

O efeito da “coreografia”, apesar da simplicidade, foi de uma beleza inenarrável e só faz doer ainda mais o fato de estas crianças apanharem – uma contradição com o programa de ponta de prevenção de doenças nos quais Segere está incluída: o EBI (‘Evidence Based Intervention”),  do gigante laboratório de pesquisas em saúde pública KEMRI/CDC (Centers for Disease Control), patrocinado pelos EUA (Unaids) e sediado no Quênia e que orienta crianças a evitar, por exemplo, a contaminação pelo vírus HIV.

(Juliana Resende/brpress)

(*) A editora-executiva da brpress, Juliana Resende, viajou ao Quênia a convite do International Reporting Project (IRP).

Juliana Resende

Jornalista, sócia e CCO da brpress, Juliana Resende assina conteúdos para veículos no Brasil e exterior, e atua como produtora. É autora do livro-reportagem Operação Rio – Relatos de Uma Guerra Brasileira e coprodutora do documentário Agora Eu Quero Gritar.

Cadastre-se para comentar e ganhe 6 dias de acesso grátis!
CADASTRAR
Translate