Mudanças à vista?
(Londres, brpress) - Caso o país caia nas mãos do radicalismo islâmico anti-EUA, isso daria mais força ao Hamas, ao Hezbolah e ao Irã. Por Isaac Bigio.
(Londres, brpress) – Há uma semana, centenas de milhares de egípcios têm saído às ruas pedindo a demissão do presidente Hosni Mubarak, e há manifestantes mortos e centenas de feridos.
O Egito é um dos países mais estratégicos do mundo. Berço de uma das primeiras civilizações humanas, sempre foi o botim de todos os impérios do Oriente Médio e do Mediterrâneo. Hoje é o centro de gravidade do mundo árabe, onde não é somente a nação mais populosa, como também a mais armada (pelos EUA).
Quando, em 1952, o Coronel Nasser derrubou a monarquia, construiu um dos pilares do novo nacionalismo terceiro-mundista (cujos herdeiros na América Latina foram desde os socialistas militares, como Velasco, no Peru, até os “bolivarianos”, de Chávez).
Guerra Fria
O Egito se converteu no principal aliado soviético no Oriente Médio e pretendeu unir-se com a Síria e a Líbia, e destruir Israel. Após o empate da guerra árabe-israelense de 1973, os EUA conseguiram que Israel devolvesse territórios ao Egito, em troca de que este último o reconhecesse e fosse abandonando sua posição pró-Kremlin, convertendo-se no maior aliado ocidental no mundo árabe.
Sadat e depois Mubarak herdaram o sistema autoritário de governo baseado nas Forças Armadas de Nasser, mas fazendo com que o regime se reciclasse, mudando de seu inicial “anti-imperialismo” para uma posição cada vez mais pró-“americanismo”.
Avante
Graças a esta mudança, Israel começou a ser reconhecido na região, enquanto que os EUA puderam avançar no Oriente Médio para invadir o Afeganistão, derrubar Hussein e pretender isolar o Irã.
Hoje, o Egito se encontra em um dilema. Após três décadas no poder, o octogenário Mubarak parece estar com os dias contados. A possibilidade de ser substituído por seu filho Gamel vai por água abaixo.
Protestos
A população, encorajada pela queda da ditadura tunisiana, pelos protestos anti-ditatoriais no Iêmen, pelos sucessos do vizinho Sudão e pela onda de protestos no mundo árabe, não pretende recuar até a saída de Mubarak.
Estes sucessos, que para muitos lembram a maré de mobilizações que conduziu a uma queda de efeito dominó dos partidos comunistas do leste europeu, em 1989, criam no Ocidente um clima de incertezas.
Radicallismo islâmico
Enquanto, há 22 anos, a oposição na Europa oriental pedia uma democracia liberal pró-ocidental, no mundo árabe esta deve competir com o radicalismo islâmico anti-EUA.
Por isso, é compreensível que Washington deseje uma “transição gradual”. Mubarak, enquanto isso, designou um novo primeiro ministro e seu primeiro vice-presidente. Daí pode emergir um possível sucessor, que mantenha a forma do atual regime.
O Prêmio Nobel da Paz e líder oposicionista Mohamed El Baradei, ex-chefe da Agencia Internacional de Energia Atômica (IAEA), espera que o movimento social gere um movimento democrata-liberal, mas o Egito é a pátria da Irmandade Muçulmana, movimento que influenciou o Hamas palestino e outros radicais maometanos.
Se o Egito cair em mãos destes setores, isso daria mais força ao Hamas (que vem recobrando forças após as revelações de que Al Fath queria reduzir ainda mais o futuro estado palestino), ao Hezbolah (que acaba de impor seu próprio governo no Líbano) e ao Irã.
(*) Analista de política internacional, Isaac Bigio vive em Londres, onde lecionou na London School of Economics, e também assina coluna no jornal peruano Diario Correo. Fale com ele pelo e-mail [email protected] ou pelo Blog do Leitor. Tradução: Angélica Campos/brpress.