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Jornalista Roxana Saberi fala sobre a relação do Brasil com o Irã.onecountry.orgJornalista Roxana Saberi fala sobre a relação do Brasil com o Irã.onecountry.org

‘Quando o Brasil fala, o Irã ouve’

(brpress) - Frase é da escritora e jornalista iraniano-americana Roxana Saberi, que fala sobre prisão no Irã, tema de livro recém-lançado no Brasil, e relações entre os dois países. Por Gabriel Bonis.

(brpress) – Em 2009, a jornalista americana Roxana Saberi, de 33 anos, foi detida pelo regime iraniano e condenada a oito anos de prisão por, supostamente, ser uma espiã dos EUA. Desde 2003, ela trabalhava como correspondente internacional no Irã para veículos como BBC World Service, NPR e Fox News. Saberi veio ao Brasil esta semana divulgar o livro Entre Dois Mundos – Minha Vida de Prisioneira no Irã (Editora Larousse, 320 págs. R$ 39,90) e dar palestras sobre direitos humanos.

Saberi foi acusada de estar usando o livro que escrevia na época, sobre a sociedade iraniana, como disfarce e enviada ao presídio de Evin. No local, famoso por receber pessoas que lutam pelos direitos humanos, ficou em uma solitária e também conheceu diversas presas, algumas das quais chama de “conscientes” – mulheres que discutiam crenças, ideologias, sociedade e que falavam inglês.

A jornalista ainda guarda a simpatia dos tempos em que foi eleita Miss Dakota do Norte, em 1997, nos EUA – onde nasceu. Dona de um currículo que inclui mestrados nas Universidades de Northwestern e Cambridge, ela elogia a cordialidade do povo brasileiro e a semelhança com os iranianos.  Fala ainda da relação entre Brasil e Irã e do fato de ter sido torturada, ainda que “psicologicamente”, como prefere, e discorre sobre como como o fato de a presidente eleita Dilma Housseff ter sido torturada poderia afetar o relacionamento iraniano-brasileiro.

Confira a entrevista, concedida à brpress por telefone, na última sexta-feira (26/11), do Rio de Janeiro, onde Roxana Saber cumpria agenda para promover o livro:

Por que você decidiu escrever Entre Dois Mundos – Minha Vida de Prisioneira no Irã e contar ao mundo o que você viu e enfrentou na prisão?

Roxana Saberi – Queria dividir minhas experiências e das minhas companheiras de cela, muitas delas mulheres punidas e com os diretos humanos desrespeitados. Elas não têm voz. Espero que com esse livro possa me juntar a outros e ser uma voz.

Também queria mostrar às pessoas o que aprendi com elas sobre coragem e manter seus princípios em momentos difíceis.  

Em 2009, você foi presa e levada para a penitenciária de Evin, local onde pessoas que lutam pelos direito humanos geralmente são enviadas. Como isso aconteceu? Os oficiais que te prenderam disseram algo sobre o que estava acontecendo naquele momento?  

RS – Eles me interrogaram por diversas horas. Alegaram que eu era uma espiã e que o livro que estava escrevendo na época, sobre a sociedade iraniana, era um disfarce para a espionagem americana. Disseram que eu não poderia estar fazendo algumas das entrevistas para um livro a não ser que fosse uma espiã. Falei que isso não verdade, que poderiam ler o que tinha escrito até o momento. No entanto, eles continuaram achando que eu estava mentindo e me levaram para a prisão de Evin à noite.

Você foi torturada lá?  

RS – Não foi torturada fisicamente, embora isso aconteça lá. Mas há, claro, tortura psicológica.

Como é a prisão no Irã? As condições, alimentação, a maneira como as pessoas são tratadas…

RS – Algumas pessoas são torturadas fisicamente, outras não. Além disso, a tortura psicológica não é incomum. Algumas vezes, pessoas são presas sem mandado e mantidas em solitárias por um período de tempo. Esses indivíduos são colocados em intensa pressão para darem depoimentos, algumas vezes falsos, sobre eles e outros. Não possuem direitos básicos, como acesso a um advogado. É comum serem desligados do mundo, cortados do contato com suas famílias.

Fale sobre as condições na solitária.

RS – No confinamento da solitária, na qual fiquei, o espaço era de cerca de 2m x 2,5m. Dormi no chão, porque não havia cama, travesseiro ou lençol. Havia apenas uma janela acima da minha cabeça, que estava fechada. É uma situação muito difícil mental e psicologicamente, especialmente quando não se está preparada para este tipo de situação. Porque eles fazem todo o possível para que você se sinta impotente e dependente apenas deles.    

Há algo do livro que você escrevia antes de ser presa, neste trabalho lançado recentemente?

RS – Ainda não publiquei o livro que escrevia antes de ser presa. Mas espero que possa trabalhar nele quando tiver uma pausa. Estou viajando e falando bastante sobre direitos humanos e Irã. Espero poder trabalhar neste livro, pois ainda há muito material. Cobri um pouco dele em Entre Dois Mundos – Minha Vida de Prisioneira no Irã, mas as histórias das pessoas com as quais falei ficaram de fora.  

Quando estava na prisão, o que você costumava fazer e pensar?

RS – Na solitária era o pior para mim, porque pensava que se fizessem algo comigo ninguém nunca descobriria. Mas tentava passar o tempo cantando para mim mesma, tocando piano com as teclas na parede ou pensando nos meus entes queridos.

Também rezei bastante, porque senti que Deus era o único que sabia onde eu estava, então, talvez, ele fosse o único que pudesse me ajudar naquela situação.

Conforme o tempo foi passando, fui retirada da solitária e conheci outras mulheres, prisioneiras políticas e prisioneiras conscientes. Passávamos o tempo juntas, falava em inglês com algumas delas, discutíamos sobre nossas ideias e crenças. Foi um pouco mais fácil depois que conheci outras mulheres.

Você fazia ideia do que estava acontecendo fora da prisão para te libertar, por exemplo, a pressão internacional no Irã?

RS – No começo não. As autoridades locais não anunciaram que estava sob custódia deles ou no presídio de Evin até cerca de um mês após minha prisão. No primeiro mês, acho que ninguém sabia que estava em Evin. Tentaram me localizar, mas as autoridades diziam que eu não estava naquela prisão – o que acontece com frequência com os prisioneiros de lá. Então, eu não sabia. Mas, depois que meus pais me visitaram, comecei a ouvir sobre esses esforços em meu favor.

Fiquei muito grata, porque sei o quão é importante que alguém fale por você, quando você não pode. Pois as pessoas que passam por injustiças no Irã, ou no mundo, na maioria das vezes, não têm voz e precisam de alguém para defendê-las.      

Como o governo e as pessoas no Irã vêem as relações com o Brasil?

RS – Não posso falar sobre o povo do Irã, porque não conversei com eles especificamente sobre isso. Mas, sei que quando brasileiros vão ao país eles são bem recebidos, assim como outros estrangeiros, inclusive americanos. Acredito que o governo do Irã enxergue o Brasil com igualdade e não como um país que fale com superioridade. Além disso, o Brasil não tem nenhum histórico de interferência no Irã e vem aumentando sua influência no mundo. Creio que quando o Brasil fala o governo iraniano presta atenção.  

Como você avalia o governo de Ahmadinejad? Você acha que ele é um ditador ou está sendo “demonizado” pelo Ocidente? 

RS – No governo de Ahmadinejad, em muitas áreas, na cultura e arte, por exemplo, é mais difícil para diretores, artistas, autores, poetas ou músicos conseguirem permissão para publicar seus trabalhos, transmitir ou se apresentar. Em termos de liberdade de imprensa há muito mais restrições, ao mesmo tempo que a chegada de Ahmadinejad ao poder deu mais forças à Guarda Revolucionária. Eles têm aumentado seu poder na economia, política e segurança. Creio que sua presidência levou à maior pressão na sociedade.

Temos que esperar para ver o que acontece, mas creio que a maioria das pessoas quer um governo mais democrático, que respeite os direitos humanos. Pode levar algum tempo, mas acho que é inevitável que alcancem isso.

E você, acredita que isso deve demorar muito mais?

RS – Gosto de dizer que a única coisa previsível no Irã é o imprevisível. Não posso estimar um tempo, pois isso depende de muitos fatores. Acredito que a pressão por democracia vai enfrentar obstáculos e talvez precisará dar alguns passos para trás para voltar a evoluir. Mas o Irã teve seu primeiro movimento pela democracia há cerca de 100 anos, por volta de 1900, com a revolução constitucional. Os iranianos estão lutando por isso há muito tempo.    

Qual o maior desafio de ser mulher no Irã?

RS – Não acho que seja apenas um desafio [risos]. O que acontece no Irã é que as mulheres têm muitas restrições. Algumas das liberdades que elas têm são porque elas pressionaram. As mulheres são a maioria nas universidades – o que faz com que exijam mais das autoridades e do governo, por serem expostas a novas ideias. Mas, quando se trata da lei, que geralmente trata a mulher com metade do valor do homem, é mais difícil de conseguir um divórcio, as mulheres precisam de autorização do pai para o primeiro casamento, é difícil ficar com a guarda dos filhos, não podem concorrer à presidência ou ser juízas. Por outro lado, elas têm conseguido ser motoristas de ônibus, bombeiras, atletas, professoras, médicas. Elas estão avançando, mas os homens temem que, se concederem mais direitos às mulheres, elas vão ameaçar sua posição de poder.    

O que te levou a ser correspondente internacional no Irã? Há alguma relação com o fato do seu pai ser iraniano?

RS – Em grande parte sim, porque sabia que muitos jornalistas estrangeiros tinham problemas para entrar no Irã. Mas meu pai é iraniano, tenho passaporte iraniano e americano, porque nasci nos EUA. Então, eu poderia entrar no Irã, viver lá e conhecer o país. Também queria conhecer melhor a cultura iraniana e aprender a falar farei melhor, o que pude conseguir ao longo de seis anos. Entendi melhor minha identidade iraniana, porque me senti em contato com ela.  

Adorei o país e as pessoas são muito cordiais e amigáveis. Na verdade, eles me lembram de muitos brasileiros que têm sido bem afetuosos. Estou feliz também que o assunto direitos humanos seja tão importante para os cidadãos brasileiros e para a mídia local, que pode ter um grande papel para trazer atenção nas violações destes direitos.  

Sobre as eleições no Irã, o que você achou do fato de vídeos sobre a repressão à oposição nas ruas e mostrando a morte da ativista Neda Agha-Soltan escancararem na internet a situação do país, enquanto a mídia local era impedida de mostrar o que estava acontecendo?

RS – Acho que eles, os “jornalistas cidadãos”, tiveram um grande papel ao informar os iranianos e as pessoas fora do país sobre o que estava acontecendo, especialmente porque os jornalistas profissionais estavam sofrendo restrições e muitos correspondentes estrangeiros foram expulsos, tiveram seus equipamentos confiscados e etc.

Pessoas com celulares que fazem vídeos e fotos deram um passo a frente e, então, pudemos ver imagens, como a da jovem Neda Agha-Soltan, morta por um tiro, e um homem atropelado por um carro, ou vídeos de pessoas protestando pacificamente e apanhando. Esse tipo de trabalho não é sempre passível de verificação como no jornalismo profissional, mas dá tanto ao cidadão quanto indivíduo um poder maior por meio da tecnologia.  

Recentemente o Brasil elegeu sua primeira presidente mulher, Dilma Rousseff, que foi torturada nos 70 pela ditadura. Você acredita que a experiência dela pode mudar a maneira como o Brasil se relaciona com o Irã no aspecto dos direitos humanos?

Espero que a experiência dela na prisão e, segundo ouvi, ela também foi torturada, influencie seu relacionamento com o Irã.

(Gabriel Bonis/Especial brpress)

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