Quanto pior, melhor?
(brpress) - Quando alguém alcança marca recorde de 100 milhões de visualizações no YouTube em um mês, com "pior música de todos os tempos", é hora de rever alguns conceitos. Ou não? Por Caesar Moura.
(brpress) – Quando anônimos, como a jovem americana Rebecca Black, de 13 anos, viram notícia nas principais publicações do mundo e alcançam a marca recorde de 100 milhões de visualizações no YouTube em um mês, com a música Friday – considerada a “pior de todos os tempos”, pelo Yahoo! EUA –, é hora de rever alguns conceitos. Ou não? Lançado no dia 14 de março, o vídeo da música Friday virou um viral no YouTube e transformou a canção num hit instantâneo no iTunes. Rebecca tem uma voz incrível? Não. A letra de Friday é uma obra prima? Bem longe disso. O vídeo é dirigido por algum grande cineasta? Definitivamente não. Então o que faz o vídeo de Rebecca ser um fenômeno? Ser ruim – muito ruim. A busca pela fama em tempos de internet e da supervalorização e exposição da imagem criaram um fenômeno em escala mundial: “Quanto pior, melhor”. Hoje não precisamos cantar, dançar, escrever, atuar ou ser um excelente gerente de banco. Não precisamos sequer ter talento – mais que isso, a falta de talento (e senso crítico) parece ser um pré-requisito para fama.Indústria Friday custou US$ 4.000 (cerca de R$ 6.400) e já gerou mais de US$ 100 mil. A menina ganhou a gravação de presente dos pais, produzida pela produtora destinada a “pequenos talentos musicais”, a Ark Music Factory. Os sócios Patrice Wilson e Clarence Jey também compõem músicas como a de Rebecca, com melodias grudentas e letras (se é que podemos chamar Friday de “letra”) medíocres. “Nós damos a elas o vídeo, a música, fotos, consultoria de imagem, tudo”, diz o produtor Patrice Wilson, à Folha de S. Paulo. O curisoso, no caso do sucesso de Rebecca Black, é que a maioria das pessoas que foram conferir o trabalho de Rebecca, odiaram o vídeo e outras tantas vão além na hora de expressar seu desagrado e deixam comentários que elegem Rebecca como “a pior cantora do mundo”, rótulo reproduzido pela mídia onde quer que Rebecca vá. Ruim, e daí? “Eu chorei muito quando vi todos aqueles comentários maldosos, mas decidi não dar a eles a satisfação de me fazer desistir”, disse uma Rebecca verdadeiramente simpática e determinada ao estrelado e fama – mesmo pela ruindade –, em entrevista no programa Good Morning America, um dos mais populares dos EUA. Numa sociedade voyerista, exibicionista em em busca de destaque individual a qualquer custo, parace que quanto mais constrangedor, deprimente e sem qualidade é uma exposição “artística”, maiores são as chances de “sucesso”. O vídeo da mulher que exige aos berros seu chip do celular de volta – que estava emprestado com o ex-namorado, Pedro – era para ser algo triste, na melhor das hipóteses, irritante. Mas virou um fenômeno, algo “divertido”, que chegou a ter mais de 5 mil acessos por dia, virou funk de sucesso e transformou Pedro em celebridade, com direito a entrevista no Fantástico, da Rede Globo.Replicantes Outros exemplos, como o da adolescente do Piauí, Stefhany, que ganhou fãs como Preta Gil com uma versão para lá de peculiar do hit A Thousand Miles, de Vanessa Carlton, ou do jovem americano Chris Crocker, que saiu aos prantos em defesa de Britney Spears e acabou virando apresentador depois dos milhões de acessos no YouTube, estão aí a cutucar-nos: onde foi que erramos na curva da era digital e “da informação”. Andrew Keen, autor de O Culto do Amador (2007, Editora Zahar), é bastante radical na hora de explicar o impacto da internet na cultura mundial: “O culto do amador tornou cada vez mais difícil determinar a diferença entre leitor e escritor, artista e relações públicas, arte e publicidade, amador e especialista. O resultado? O declínio da qualidade”. Seriam essas as palavras de um conservador inconformado ou de alguém verdadeiramente conectado ao seu tempo? Assista aqui ao vídeo de Friday, no YouTube, e tire suas conclusões.