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Na encruzilhada do Leste e Oeste

(Genebra, brpress) - Terminada a conferência de Viena sobre Aids, Rui Martins conversa com o brasileiro Luiz Loures, diretor de Unaids ou OnuSida, sobre perspectivas na prevenção e tratamento.

(Genebra, brpress) – Terminada a conferência de Viena sobre Aids, é a hora do balanço e, embora existam resultados positivos, alguns aspectos negativos foram ressaltados. Embora Viena tenha uma posição estratégica para a Europa do Leste, onde as infecções por HIV aumentam, os países dessa região não se fizeram representar oficialmente.

    Tirando-se o gel microbicida ou gelatina vaginal contra a infecção, não houve grandes novidades terapêuticas e, apesar de tantas expectativas, nada de novo surgiu das pesquisas sobre uma vacina contra a Aids. Numa longa entrevista, na qual fala do papel pioneiro do Brasil e de sua cooperação com os países lusófono-africanos, o brasileiro Luiz Loures, diretor de Unaids ou OnuSida, não descarta críticas, porém tem razões para ser otimista. Ele também trata da questão da Igreja, contrária à prevenção pelo preservativo, do surgimento e preço de novos remédios para o tratamento de soropositivos.

Qual seria o balanço final da Conferência de Viena sobre Aids, tendo-se em vista o aumento dos soropositivos em países do Leste europeu?

Luiz Loures – Viena está na encruzilhada do Leste e Oeste para mostrar as tendências atuais da doença ao nível global. Temos algumas notícias muito boas como a presença, por exemplo, do vice-presidente da África do Sul demonstrando uma mudança do país com relação à Aids. Poderíamos até falar numa revolução, confirmando a decisão do novo governo disposto a adotar uma posição agressiva no combate ao HIV, tanto na prevenção como no tratamento, com metas muito ambiciosas, que potencialmente podem levar a mudanças em toda África e até mesmo ter repercussões globais.

E o microbicida, também não é boa notícia?

Luiz Loures – Sim. O gel de uso vaginal dá controle portanto à mulher, ao contrário de todos os outros tipos de prevenção que ficam sob o controle do homem, como a camisinha tradicional. E a terceira notícia boa é que, depois de uma pesquisa nos 25 países mais afetados por Aids, percebemos que os índices começam a baixar em 15 desses países, principalmente entre as pessoas mais jovens.

Agora as notícias ruins…

Luiz Loures – Entre as notícias preocupantes, há a tendência de redução dos fundos destinados à prevenção e controle da Aids, pela primeira vez nos 30 anos da epidemia. Outra má notícia é a de que existem agora maiores restrições aos portadores da doença e mesmo violação dos direitos humanos em relação às pessoas e grupos mais vulneráveis, como o dos homens homossexuais, na África e Europa do Leste, e em relação aos usuários de drogas na Europa do Leste. A terceira má notícia foi uma presença bem aquém do esperado das autoridades representantes da Rússia, Ucrânia, países da Europa do Leste e Central, focos dessa conferência.

E com relação à Africa do Sul, cujo presidente desdenhava os riscos da Aids, houve, então, uma mudança importante ?

Luiz Loures – É uma mudança muito significativa. Levando-se em conta que a África do Sul é o país mais afetado das África com a Aids e levando-se em conta a influência regional da África do Sul, uma mudança nesse país pode ter repercussão em todo o continente, em termos de compromissos maiores da parte dos líderes africanos. Agora está reunida, em Kampala, a cimeira dos países da União Africana, e esperamos que o presidente Zuma reafirme o novo compromisso da África do Sul com relação à Aids, cuja metas são ambiciosas e contam com o apoio da Unaids.

Falava-se muito na esperança de uma vacina contra Aids, testes estavam sendo feitos na Tailândia e experiências vinham sendo feitas na Tanzânia e mesmo no Brasil. Perderam-se essas esperanças ?

Luiz Loures – Não, mas as perspectivas de uma vacina ainda são relativamente distantes. É uma pesquisa difícil e, na minha opinião, os fundos para isso são insuficientes. Teria de haver investimentos maiores, e ,resumindo-se, não se pode contar com uma vacina neste momento. A questão da prevenção da Aids tem de ser revista, não se tem feito tudo quanto se poderia e é por isso que a Unaids, em Viena, chamou pela prevenção, tentar obter a mesma mobilização feita, há alguns anos, em relação ao tratamento.

Foi essa a tônica da Unaids na conferência?

Luiz Loures – A Unaids lançou, em Viena, uma comissão de alto nível para cuidar da mobilização e prevenção que não é científica mas política, presidida e coordenada pelo bispo Desdemond Tutu. Entre os demais integrantes da comissão estão a francesa Françoise Barré-Sinoussi, uma das descobridoras do vírus da Aids, prêmio Nobel, a ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, o ex-presidente do Botsuana, mais personalidades do mundo artístico ou de outras atividades, como Chris Hughes, que criou o Facebook. Esperamos que essa comissão consiga tirar a prevenção do científico para vir ao nível público.

E como a Unaids vê a posição contrária da Igreja a certos tipos de prevenção como o preservativo ?

Luiz Loures – Igreja é um conceito muito amplo. Em Viena, houve uma marcha, com mais de 20 mil pessoas, da qual participei ao lado dos chamados grupos da fé, da Igreja. Há aspectos diferenciados, por exemplo, os grupos não católicos têm posições muito avançadas, inclusive em relação aos preservativos, como os protestantes e os anglicanos. Acho que existe um debate dentro das igrejas muito positivo no sentido de avançar. Alguns setores têm posições mais difíceis com relação com uso do preservativo, porém são mais abertos no tratamento e nos cuidados das pessoas com Aids e muitas organizações católicas têm cumprido esse papel na África, complementando o papel do Estado de uma forma bastante efetiva. Esse é um debate que deve continuar, mas nós da Unaids buscamos um ponto de contato positivo. O que nós queremos e esperamos é que a Igreja não bloqueie programas como os do uso da camisinha, mas respeitamos as razões que tenham.

Como está a situação nos países  lusófono-africanos, com relação ao HIV?

Luiz Loures – Moçambique é o país mais afetado e na área mais afetada da África, com uma relação e proximidade muito grande da África do Sul. Eu, pessoalmente, acho que esses dois países, do ponto de vista técnico, não devem ser diferenciados no que se refere à epidemia, no cone sul da África, mesmo porque a doença não conhece fronteiras e existe cada vez mais imigração e circulação para a África do Sul. Angola, embora com índices mais baixos, é um país com grande mudanças do ponto de vista de desenvolvimento, da própria sociedade angolana depois da guerra, o que traz mais movimentos migratórios, mais possibilidade de sexo e com isso vem a Aids também.

E o Brasil?

Luiz Loures – O país dá uma grande prioridade à cooperação com a África e a Unaids tem tentado facilitar ao máximo essa cooperação. Há também um grande interesse de Portugal em participar dessa cooperação. Achamos que isso pode criar uma nova dinâmica em relação aos lusófonos e temos investido muito nessa direção. O Brasil foi citado muitas vezes como exemplo no programa de sustentabilidade, do qual pude participar desde seu começo em 86. Ter um programa que vem se mantendo há 30 anos, efetivo e em desenvolvimdento, é um ponto muito positivo para os brasileiros e acho que o país deve ter orgulho de permanecer como exemplo ao nível mundial.

O Brasil estaria à frente no tratamento do HIV?

Luiz Loures – Por ter sido o primeiro país a começar uma política de tratamento universal e gratuito, o Brasil enfrenta hoje uma situação muito particular. Na medida em que existem no Brasil pessoas em tratamente há muito tempo, existe a necessidade de drogas mais novas, em consequência de uma evolução natural do tratamento da Aids, por questões de resistência e efeitos colaterais, há acesso ao mercado de drogas mais novas com um preço muito elevado e quase proibitivos. O Brasil negociou os preços e abriu perspectivas de que esses remédios sejam acessíveis. É o que  chamamos de 2.0 ou a segunda geração do tratamento. O Tratamento 2.0 quer também encontrar remédios que sejam menos tóxicos, de mais fácil administração e que possam ser usados por crianças.

(Rui Martins/Especial para brpress)

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