Kick-Ass quebra tudo
(brpress) – Heroína de 13 anos xinga, atira em pessoas e causa polêmica. Luis Vieira conta mais sobre a HQ que originou um dos filmes mais controversos da temporada.
(brpress) – A adaptação da HQ Kick-Ass para o cinema nem estreou e já é um dos assuntos mais em voga no Reino Unido. Um dos aspectos mais polêmicos, segundo os tablóides, é o uso da estética da violência e o quase descompromissado caráter pouco ortodoxo dos protagonistas – incluindo uma heroína de 13 anos que fala fuc**** todo o tempo e atira em pessoas.
O que mais poderíamos dizer aos boquiabertos britânicos ou adiantar ao público brasileiro sobre a HQ do escocês Mark Millar (roteiro) e do norte-americano John Romita Jr. (arte), além de que é mais ou menos esse o espírito da coisa?
Português em abril
Caso disséssemos o contrário, algum sujeito de estômago mais fraco com certeza iria querer tirar satisfações com a gente, após ler a história adaptada para o português, que deverá ser lançada em abril pela editora Panini.
O coitado ficaria pasmo logo nas duas primeiras páginas, que mostram respectivamente a morte estúpida e terrível de um candidato a super-herói ao tentar voar e um outro aspirante a vigilante mascarado sendo torturado através de choques em seus testículos.
Escracho e conteúdo
Claro, esse uso escrachado de violência seria condenável se estivesse centrado como o único atrativo da HQ, encobrindo pelo sensacionalismo uma trama rasa, desprovida de inteligência e sem muito a dizer. Mas esse não é nem de longe o caso. Mark Millar tem muito a dizer com Kick-Ass, ou como já foi intitulado no Brasil, Quebrando Tudo – também nome do filme, que estreia no Brasil em junho.
O âmago da trama gira em torno de uma crítica sarcástica do mito moderno das celebridades, semelhante ao que Sascha Baron Cohen fez no filme Bruno, porém utilizando a figura e o universo dos super-heróis.
Portanto, a violência dotada de realismo cabe, sim, dentro do verossímil. Ou alguém acha que caso existissem um Super-Homem ou um Wolverine dividindo o planeta conosco, eles nunca arrancariam ao menos uma gota de sangue de nenhum vilão com o uso de seus poderes sobre-humanos?
Supernerd
A coisa toda começa com o protagonista, Dave Lizewski, um adolescente praticamente anônimo em sua escola e assumidamente um nerd consumidor de quadrinhos, que tem desejos tórridos pela sua professora quarentona.
Ele não consegue sequer dizer “oi” para a garota mais bonita de sua sala, e faz as seguintes perguntas: “Por que ninguém nunca tentou ser um super-herói antes? Por que as pessoas querem ser a Paris Hilton e ninguém quer ser o Homem-Aranha?”.
Supercelebridade
Não demora muito até que Dave improvise um uniforme e comece a tentar agir como um super-herói. Entretanto, no mundo real, um adolescente fantasiado pouco pode fazer contra criminosos e gangues, a não ser levar surras homéricas. Mas Dave não desiste, e, em um golpe de sorte, consegue impedir um bando de espancar uma vítima.
O ato heróico é protamente gravado por um curioso com um celular e caí quase instantaneamente no YouTube. Pronto, Dave ascendeu ao grupo das celebridades da era pós-internet. Os jornais e os usuários da web batizam o anônimo mascarado de Kick-Ass – a nova moda e mania dos americanos.
Concorrência brava
A próxima empreitada de Dave é criar um perfil MySpace do Kick-Ass, onde o herói se relaciona com seus fãs e recebe sugestões de “novas missões”. O que Dave não sabia de antemão é o quão cruel pode ser o mundo fugaz das celebridades.
Ao criar uma nova tendência de comportamento, o garoto terá de começar a lidar com a concorrência: diversos outros anônimos que compensam a carência de seus egos aos vestirem um uniforme ridículo e saírem às ruas para agir como pretensos heróis.
E para não virar a notícia batida de ontem, Kick-Ass precisará correr para dividir a atenção do público junto com seus imitadores, deixando até mesmo o heroísmo em segundo plano. Como se não bastasse, o caminho de Dave ainda é cruzado por Big Daddy e Hit Girl (respectivamente um pai e sua filha – a menina de 13 anos), uma dupla de “heróis profissionais”, com grandes habilidades, sem maiores interesse em fama e nenhum pudor em retalhar criminosos como peças de açougue.
Em suma, Big Daddy e Hit Girl são tudo o que o protagonista queria ser de verdade, mas é impedido por sua falta de vocação, de estômago e pela própria realidade. Para piorar, um chefão da máfia está furioso com essa moda de super-heróis atrapalhando seus negócios. Adivinhe para quem irá sobrar…
Dignidade zero
Em sua vida pessoal, apesar do glamour ao redor de Kick-Ass, Dave continua sendo um anônimo. Não consegue ter uma conversa mais sincera e profunda com seu próprio pai e precisa fingir ser homossexual para estar perto de sua paixão platônica. Um herói nota zero de dignidade, assim como muitas de nossas celebridades quando vistas de perto, certo
Portanto, é isso que fez de Kick-Ass um fenômeno de vendas entre as HQs americanas, comprovando o verdadeiro toque de midas do escritor Mark Millar, que já havia impulsionando as vendas de pesos pesados como Wolverine e o Quarteto Fantástico, engordando a receita das grandes editoras.
Demolidor
Já sobre o arteiro John Romita Jr., um monstro consagrado dos quadrinhos, não há muito a ser dito, pois sua fama o precede. O desenhista de Demolidor, X-Men e outros possivelmente deve ter ajudado Deus a criar o mundo, fazendo o concept art do planeta Terra e de suas criaturas.
Cada traço é um esplendor de expressividade, desde a ambientação urbana como uma selva intimidadora e claustrofóbica de prédios dominada por automóveis, até a dubialidade de intenções intrínseca em um simples sorriso.
(Luis Vieira/Especial para a brpress)