Quem é esta garota?
(brpress) – Menina que negou a mão ao general Figueiredo, em foto que simboliza desgaste da ditadura e ganha força aos 50 anos do Golpe Militar, virou campanha da brpress no Dia da Mulher.
(brpress*) – Algumas imagens “falam” por si sós. Mas algumas, além disso, aguçam a curiosidade em ouvir mais de seus protagonistas. É o caso desta foto ao lado, de Guinaldo Nikolaevscky (1940-2008), que desafiou a ditadura militar com uma birra de criança – uma menina de muita personalidade, que se negou a apertar a mão do então presidente, general João Baptista de Oliveira Figueiredo (1918-1999), mesmo sob insistência dos presentes.
Instigada pela força desta imagem, a brpress lançou, no Dia Internacional da Mulher de 2008, a campanha Quem É Esta Garota?, no intuito de achar a menina da foto – que, quase 30 anos após o início do governo Figueiredo, em 1979, também simboliza o início da abertura política no Brasil e o desgaste da ditadura. Neste ano de 2014. em que o Golpe Militar de 64. que levou os militares a governar o país por 20 anos, completa 50 anos, a foto faz ainda mais sentido e ilustra a capa da revista Digesto Ecomômico, publicada pela Associação Comercial de São Paulo (edição no. 476).
Encontrada
Em novembro de 2011, o Jornal da Globo veiculou uma matéria anunciando que a ‘menina da foto’ fora encontrada – feito sensacional –, mas não mencionou que a campanha e a pauta foram criadas pela brpress, com autorização dos responsáveis pelos direitos autorais do fotógrafo. À época em que foi feita, a histórica foto não chegou a ser publicada pela imprensa brasileira, devido à censura. Mas ganhou destaque em veículos de comunicação estrangeiros, como símbolo da rejeição da população brasileira à ditadura militar.
Aquela menina – hoje uma mulher – não parecia convencida de que Figueiredo daria continuidade ao projeto de abertura com a Lei de Anistia, aprovada em agosto de 1979, que, apesar das restrições e de ter anistiado torturadores e assassinos a serviço da ditadura militar, permitiu aos exilados, presos políticos e parlamentares cassados desde 1964, a saída da clandestinidade.
E foi a presença de espírito deste repórter fotográfico veterano e admirado que é Guinaldo Nikolaevscky, então trabalhando para o jornal O Globo, em Belo Horizonte, a força motriz deste registro solene do poder feminino mesmo aos 5 anos de idade.
‘Eu destestei’
Hoje na casa dos 40, Rachel Clemens foi encontrada na cidade onde a foto foi feita e onde cresceu: Belo Horizonte. Ela se formou em comércio exterior, fez pós-graduação no Instituto Tecnológico da Aeronáutica e morou e trabalhou em vários países. Teve uma filha de nome Clara e nunca teria descoberto essa história toda se não fosse por um email.
“Minha mãe recebeu um powerpoint das 100 fotos que marcaram o século. Eu sempre tive curiosidade de ver essa foto. Dei um Google, e aí que eu vi que estavam me procurando há um tempão”, conta. Perguntada sobre como ela se encontrou com o general Figueiredo, Rachel lembra que, na noite anterior, o pai dela comentou no jantar que iria almoçar com o presidente.
“Acordei no outro dia de manhã, dizendo: ‘Mãe, eu quero falar com o presidente’ ‘”. Rachel insistiu tanto que a mãe a levou ao Palácio da Liberdade. Quando ela chegou lá: “Virei pra ele e disse: ‘Você sabia que você vai almoçar com meu pai hoje?’ Aí todo mundo começou a pedir: ‘Dá a mão pra ele, dá a mão pra ele… Eu detestei! Detesto que me mandem fazer coisas. Não dei a mão porque eu não queria dar a mão pra ele – eu queria dar um recado pra ele”.
Versão do fotógrafo
Com a palavra, o autor da sensacional imagem, falecido no final de maio de 2008, em descrição ao blog Picturapixel: “Lançamento do carro à álcool em BH. A imprensa mineira e a nacional estavam presentes e um grupo de crianças foi levado ao Palácio da Liberdade para cumprimentar o presidente Figueiredo. Deu zebra: a primeira da fila negou o aperto de mão ao Presidente da República, apesar dos pedidos dos fotógrafos. Percebi que não aconteceria o aperto e fotografei.”
Guinaldo Nikolaevscky continua e aqui vem a melhor parte da história: “Corri para a redação para revelar e transmitir a foto para o Rio. Para minha surpresa eles não publicaram a foto! Desconfiaram! Queriam o “cumprimento”. Fui ameaçado de dispensa caso não entregasse o fotograma. Foi exigido que mandasse o filme sem cortá-lo no primeiro vôo para o Rio. O que foi feito. Não publicaram nada…”
Ele continua: “Resolvi por minha conta, mandar para outros veículos no exterior, que publicaram a foto.”
A campanha da brpress “Quem É Esta Garota” foi veiculada em vários blogs, como o De Alguma Redação, sites, jornais e rodou o Brasil.
(Juliana Resende/brpress)
Texto e foto livres para reprodução em quaisquer meios impressos e eletrônicos. Colaborou o fotógrafo Juvenal Pereira.
Assista aqui à reportagem do Jornal da Globo.