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Equipes de resgate trabalham em Brumadinho (MG)Equipes de resgate trabalham em Brumadinho (MG)

A lama e o meio ambiente: como isso afeta você?

(Belo Horizonte, brpress) - Não sejamos hipócritas. É impossível imaginar um mundo sem mineração. Mas a que custo, com sistemas de licenciamento ambiental e fiscalização falhos? Por Luciana Brandão.

Luciana Brandão*, especial para brpress 

(Belo Horizonte, brpress) – A importância econômica e social da mineração já é bem conhecida, como fonte de renda, de empregos, de atração para investimentos estrangeiros e para o desenvolvimento do país. No entanto, pouco se fala sobre como a mineração é essencial na vida das pessoas. Não sejamos hipócritas. É impossível imaginar um mundo sem mineração. Basta olhar a sua volta. 

Objetos como cadeiras, computadores, telefones ou tecnologias que permitem os avanços na ciência, na medicina, industriais, tudo só é possível através do uso de minérios extraídos da natureza. Se não tem minério no objeto em si, teve durante o processo de fabricação, pode apostar! O Brasil ainda possui destaque na mineração, pois apresenta solos ricos, especialmente em minério de ferro, como é o caso de Minas Gerais. Em contrapartida, para extrair o minério, é preciso degradar o meio ambiente – e muito!

A alteração na paisagem já ocorre assim que o licenciamento ambiental para instalação da mina é liberado, como desmatamento e cavas enormes.  Durante o processo de extração do minério da rocha sobram muitos resíduos (de minério, de rocha, de compostos como sílica e derivados da amônia) que no Brasil são lavados com água em abundância e depositados em barragens construídas para suportar milhões de metros cúbicos desta lama de rejeitos de minério. 

Licenciamento ambiental é falho

E se esta barragem de rejeitos se romper? É claro que o projeto de licenciamento ambiental deveria prever e considerar catástrofes como esta e incluir obrigatoriamente planos de ação emergenciais, contenção de rejeitos, rotas de fuga, etc. É essencial a participação da sociedade inserida na área de influencia direta e indireta das mineradoras nos projetos de licenciamento ambiental, assim como deixá-la a par dos riscos de rompimento e contaminação aos quais estão expostas. Infelizmente, isto quase nunca ocorre. 

Será que, conscientes de todos os riscos, as populações do entorno das mineradoras permitiriam o avanço do empreendimento? Tenho as minhas dúvidas! Existem exigências dos órgãos ambientais que precisam ser seguidas durante o processo de licenciamento ambiental para que a mineradora comece a exploração. No Brasil, o licenciamento ambiental é falho, cheio de lacunas, demorado, caríssimo e com pouquíssimo efeito final de proteção aos recursos naturais. 

As leis e normas parecem existir para beneficiar ninguém, ou seja, nem os empreendedores, nem o meio ambiente. São inúmeros estudos e relatórios de impactos ambientais, inventários de fauna, flora, recursos hídricos, todos realizados com o objetivo de cumprir as normas ambientais. Porém sem profissionais suficientes para julgar tais estudos técnicos e, de fato, decidir sobre o prosseguimento ou não de determinado empreendimento.  

Existe fiscalização? 

A impressão que se tem é que tais estudos e relatórios são “arquivados” em algum lugar, até que tragédias ambientais aconteçam e estes possam servir de “desculpa” para as empresas alegarem que cumpriram todas as exigências e o empreendimento estava totalmente legalizado. Além das falhas nas leis ambientais em si, a meu ver, a principal falha está na fiscalização inexistente dos cumprimentos das normas. 

O rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG) despejou cerca de 50 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério no rio Doce, em novembro de 2015. É aparente que profundas mudanças ambientais ocorreram e pouco se sabe sobre os impactos reais na qualidade da água e na biota aquática e terrestre da região, e se este sistema será capaz de retornar ao seu estado de equilíbrio anterior. 

Os impactos ambientais desta tragédia ainda estão em caráter de monitoramento e quantificação, pouquíssimas atitudes das empresas responsáveis foram tomadas e quase nada foi feito até o momento para recuperação dos ecossistemas aquáticos. Três anos depois, em janeiro de 2019, a barragem de Feijão em Brumadinho (MG) se rompeu e despejou cerca de treze milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério. A tragédia se repetiu, em menor escala do ponto de vista ambiental, mas muito maior em escala humana, provocando muitas mortes e contaminando o rio Paraopeba, utilizado para abastecimento humano da região metropolitana de Belo Horizonte.

Tudo morre imediatamente

Vamos falar sobre os impactos ambientais de toda esta lama. Não é difícil imaginar o estrago imediato assim que milhões de metros cúbicos de lama invadem os ecossistemas aquáticos e seu entorno. Tudo o que habita a água (algas microscópicas, invertebrados microscópicos em suspensão na água, pequenos invertebrados que habitam o sedimento nas margens dos rios, vegetação ripária e os invertebrados que a habitam, peixes, etc) e suas margens morre imediatamente –  seja soterrado ou sem oxigênio assim que a lama passa. 

Matas ciliares são indispensáveis na manutenção da qualidade da água dos cursos de água. Funcionam como filtros naturais retendo grande parte dos sedimentos e poluentes do solo terrestre, evitando o assoreamento e reduzindo a contaminação proveniente de pecuária, agricultura, mineração e outras atividades antrópicas. Toda esta mata ciliar desapareceu em grande extensão do rio Doce após o desastre de 2015 e ainda não se sabe o quanto em Brumadinho este ano. 

Impactos ambientais pós-lama

Todos esses seres vivos mencionados são importantíssimos na manutenção do funcionamento aquático e qualidade das águas, pois garantem a ciclagem de nutrientes e perfeita conexão entre ambientes aquático e terrestre. Vale considerar que a lama também penetrou nos solos terrestres, atingiu lençóis freáticos, está por todo lugar. No entanto, pouco se divulga para a população os impactos ambientais pós-lama e como isso traz consequências negativas para a mesma. 

Ainda que as mineradoras responsáveis pelos recentes rompimentos de barragens (Samarco em 2015 e a Vale em 2019) garantam a ausência de produtos tóxicos nos rejeitos que invadiram nossos rios, isso não pode ser verdade. É preciso considerar que mesmo não havendo adição de produtos tóxicos para a extração do minério (o que é difícil de crer), existem resíduos de minérios naturais da rocha em altíssimas concentrações nestes rejeitos, denominados metais pesados, o que faz estes rejeitos serem altamente tóxicos para o ecossistema e seres humanos. 

Tudo para dentro dos rios

Além disso, o próprio sedimento que compõe a maior parte da lama é por si só um poluente ambiental, pois provoca um escurecimento da água, aumento da turbidez, impede a entrada de luz solar, dificulta a fotossíntese e produtividade do ambiente. Parte da lama é sedimentada nos rios com o tempo, ficando ali, depositada no solo, sendo ressuspensa para a coluna d’água novamente a cada período de chuva. 

A matéria orgânica presente nesta lama ainda eleva a permanência dos metais pesados no ambiente, pois pode se ligar a eles formando compostos que os mantém em suspensão na coluna d’água ou aceleram a sua sedimentação no solo. Vale lembrar que todos os os poluentes encontrados nos rios atingidos não vieram apenas da lama, mas foram carreados do solo no entorno (pela lama ou pelas chuvas), trazendo fertilizantes de plantações, hormônios de gado, herbicidas, pesticidas, dentre outros, tudo para dentro dos rios. 

Agora vamos por partes: 

1) Com excesso de turbidez e redução de entrada de luz, a fotossíntese é prejudicada, ou seja, os organismos produtores primários que representam a base da cadeia alimentar também são reduzidos, alterando toda a cadeia trófica, resultando na ausência/redução de peixes e com consequências sociais e econômicas para a região. 

2) Os peixes voltam a aparecer nos rios contaminados? 

Sim, mas com enormes quantidades de metais pesados impregnados que agora fazem parte do ecossistema e entrou na cadeia trófica. Este efeito é chamado biomagnificação, quando há aumento da concentração de uma substância ou elemento nos organismos vivos, à medida que percorre a cadeia alimentar e passa a se acumular no nível trófico mais elevado. 

3) Os impactos não acabam na água. 

São levados para o ambiente terrestre também, durante as cheias dos rios em período chuvoso quando o nível da água cobre parte do entorno. Os contaminantes chegam às árvores, ao solo, aos invertebrados terrestres, aos animais que se alimentam de tais invertebrados, e assim sucessivamente por toda a cadeia alimentar, por todo o ecossistema, até chegar a você. 

4) Água de banhar, água de beber. 

Após três anos do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, já estão sendo relatados casos de pessoas altamente contaminadas com mercúrio e outros metais pesados. 

Outras consequências deste tipo de desastre é o agravamento da crise hídrica no Brasil, pois rios de abastecimento de água estão sendo comprometidos. 

5) Rios correm para o mar.

Os rios correm e levam com eles os contaminantes por todos os seus trajetos, até o mar. Sabendo disso, é muito difícil prever quanto tempo o ecossistema levará para se livrar desta lama.  

6) Próximos capítulos…

Demais desdobramentos da tragédia de Brumadinho serão notícias daqui a três anos.

O pesadelo é maior quando lembramos que, iguais a estas duas barragens que já se romperam, existem ainda várias em Minas Gerais e centenas no Brasil. É urgente a necessidade de uma maior fiscalização na segurança de barragens no Brasil e gritante a necessidade de incorporar aos projetos de licenciamento ambiental protocolos/planos de emergência em possíveis catástrofes como planos de contenção de rejeitos após rompimentos de barragens. 

(*) Luciana Brandão é bióloga, limnóloga, doutora em Ecologia pela UFMG, consultora ambiental e pesquisadora associada a  projetos de conservaçao de ecossistemas aquáticos na região do Médio Rio Doce.

REPRODUÇÃO TOTAL E/OU PARCIAL DESTE CONTEÚDO SOMENTE AUTORIZADO PELA brpress.

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