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Menina em KiberaMenina em Kibera

How are you?

(Nairóbi, brpress) - É a pergunta desconcertante que crianças fazem aos visitantes em Kibera, maior favela da África subsaariana. Por Juliana Resende.

(Nairóbi, brpress) – Esperar ver desgraça social, política e econômica numa favela da África soa como chover no molhado. Todo (o) mundo sabe que o continente é o mais pobre, judiado e subdesenvolvido do planeta. Mas Kibera, a maior ‘slum’ subsaariana, encravada na capital do Quênia, Nairobi, é de aterrorizar o mais viajado dos forasteiros – mesmo se ele for uma jornalista brasileira, conhecedora das muitas favelas cariocas. O lugar é o inferno a céu aberto e foi, com grande impacto, o ‘tour’ inaugural do programa da ONG International Reporting Project (IRP), que levou esta repórter ao Quênia.

O país elege novo presidente e o provável vencedor Uhuru Kenyatta tem em Kibera seu maior curral eleitoral, concentrando descendentes da tribo kikuyu. Kenyatta está à frente de seu opositor Raila Odinga na apuração das urnas das eleições que aconteceram em 04/03 e, até o fechamento desta edição, não havia o resultado. Temores de violência são grandes – como o levante sanguinário que matou mais de 10 mil pessoas em 2007, data da última disputa política no Quênia. Kenyatta é acusado pelo Tribunal Penal Internacional de incitar violência em massa e será julgado em abril. Na ocasião, Kibera presenciou atos de selvageria que só perdem para o genicídio Ruanda.

    A favela Kibera está para o Quênia e toda a África assim como o HIV e a Aids: uma  desvastação interna do corpo na mesma proporção da que se vê no ambiente, como uma resposta biológica e dramática aos séculos de maus tratos. Pois Kibera se impõe como um pesadelo criado há mais de 100 anos, ainda nos tempos da colonização britânica do Quênia, quando os ingleses trouxeram trabalhadores do vizinho Sudão para assentar na região. Tornou-se um conglomerado de miséria, sujeira e doenças, mesclando tristeza, resistência, apatia e, acredite, esperança.

    Décadas e mais décadas de ocupação irregular, sem luz, água encanada e esgoto, sem coleta de lixo, com uma concentração de gente estimada em 30 mil vivendo abaixo da linha da pobreza (menos, bem menos, nesse caso, que US$ 1 dólar por dia) deram no que pudemos conhecer em junho de 2012. O fedor putrefante do lugar ainda está comigo. Jamais deixará as lembranças de Kibera e suas crianças, com os olhos vivos, pedindo um pouco de atenção, serelepes a perguntar: “How are you?”.

Brincadeira

     Elas repetem esse bordão sem parar aos visitantes, brincando, pulando e zombando, ainda que com a ingenuidade inerente de sua infância, da condição a que estão sendo submetidas. “How are you?” – isso, sim, soa inesperado, dilacerante, desolador. É frase em inglês que ensinam nas escolas (Swahili é a língua oficial local), uma forma educada de cumprimentar o outro. O outro? Que outro, afinal, supostamente teria coragem de perguntar a uma criança brincando num lamaçal de culiforme fecal e poluição, naquele lugar medonho e fedorento, sem qualquer condição de sobrevivência ou perspectiva? “Como você está?”. Só pode ser brincadeira.

    A resposta nos envergonha mais que entristece. A pobreza abjeta a que essas crianças (além de seus pais e avós) são submetidas é, sim, uma questão para todos nós. O erro é coletivo de uma civilização que usurpa os direitos básicos de uma camada vulnerável e irremediavelmente condenada ao descaso da população mundial, concentranda na África de maneira chocante, deseperadora.

Consequências

A culpa não é da Aids. Ela é consequência da fome, do abandono, da falta de higiene, da corrupção imoral. Rose Cangua, 40, perdeu o marido soropositivo há três anos, quando ela começou a se tratar. Toma antiretrovirais “grátis” mas não come todos os dias. Dos seus três filhos, o mais novo, de 4 anos, também é soropositivo. Moram ao lado de um córrego fétido num barraco de barro escuro e sujo.

     Quem conhece favelas no Brasil, onde 28 milhões de pessoas saíram da pobreza absoluta mas 16 milhões de ainda permanecem na pobreza extrema – está preparado para Kibera? Não. Ninguém poderia ou deveria estar preparado para presenciar aquilo, quiçá viver naquelas condições sub-humanas. O governo do Quênia – com seus 38 milhões de habitantes e quase 50% sem acesso a US$ 1/dia – muito menos.

ONGs? Médicos Sem Fronteiras? Fazem o que podem em Kibera enquando o povo usa seus “flying toilets” – como chamam a prática de jogar “para cima” excrementos. O Ministério da Saúde? “Não temos verba”. A comunidade internacional? Pergunte a Obama (os EUA são os maiores donatários de programas humanitários no Quênia, onde o presidente tem família), reclame com o bispo.

Ainda assim, uma criança sorri em Kibera. How are you about it?

(Juliana Resende/brpress)

Leia mais sobre esta e outras reportagens no Quênia pelo International Reporting Project (em inglês) aqui.

Leia mais sobre a viagem para o Quênia pelo International Reporting Project (IRP) aqui.

Juliana Resende

Jornalista, sócia e CCO da brpress, Juliana Resende assina conteúdos para veículos no Brasil e exterior, e atua como produtora. É autora do livro-reportagem Operação Rio – Relatos de Uma Guerra Brasileira e coprodutora do documentário Agora Eu Quero Gritar.

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