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O atentado de Westminster e a morte do ex-chefe do IRA

(Londres, brpress) - Londres viveu o primeiro ataque a um parlamento ocidental até agora neste milênio. O incidente acontece no dia seguinte à morte de Martin McGuinness, ex-comandante do grupo terrorista IRA. Quais são as ironias e diferenças entre o terrorismo do passado e o de hoje? Por Isaac Bigio.

(Londres, brpress) – Londres viveu o primeiro ataque a um parlamento ocidental até agora neste milênio. O incidente acontece no dia seguinte à morte de Martin McGuinness, ex-comandante do grupo terrorista nacionalista IRA (Irish Republican Army, Exército Republicano Irlandês) e ex-vice-primeiro-ministro da Irlanda do Norte, que já foi considerado a pior ameaça terrorista no Reino Unido. Não deu nem tempo de McGuinness ser enterrado, em Derry (oficialmente chamada de Londonderry), a segunda cidade norte-irlandesa. 

Na última quarta-feira (22/03), o britânico Khalid Masood, de 53 anos, acelerou o carro que dirigia em cima de pedestres, na Ponte de Westminster para, em seguida, lançar-se para o Parlamento, onde ele foi morto a tiros depois de esfaquear um policial. Ainda não está claro se o atacante tinha conexões com outros terroristas dentro e fora do Reino Unido, mas sabe-se que ele havia sido monitorado por radicalização ligada ao islamismo no passado mas não no presente momento, pelos serviços de inteligência. O Estado Islâmico (EI) assumiu a responsabilidade do atentado nas primeiras horas desta quinta-feira (23/03), derrubando conjecturas de que trata-se aparentemente de um “lobo solitário”.

O fato mais provável é que o atacante era mesmo um fundamentalista islâmico seguindo os mandamentos do EI, que instrui seus apoiadores para fazer ataques solitários, sem que ninguém venha a saber de suas preparações para evitar interceptações. No entanto, as razões pelas quais a Scotland Yard acusa este homem de ser um terrorista ainda não estão 100% claras.

Uma hipótese pode ser definitivamente descartada: ter sido uma ação do IRA – que, durante a segunda metade do século 20, também quando os Conservadores estavam no poder (1979-1997) – especialmente na figura de Margaret Thatcher (1925-2013), então primeira ministra como Theresa May –, organizou as explosões mais poderosas já conhecidos do Reino Unido, fora da II Guerra Mundial.

Quando o IRA tinha ira

Em 24 de abril de 1993, um terrível bombardeio destruiu várias partes e vidraças de muitos edifícios na City, o distrito financeiro de Londres. A fumaça alta era vista de qualquer parte da maior metrópole da Europa. Esse macro-ataque custou £350 milhões (cerca de R$ 1 bilhão e 400 milhões) – as perdas seriam superadas apenas oito anos depois, pelo massacre de 11 de Setembro, em Nova York.

Em perdas de vidas, os piores ataques terroristas que tiveram na Inglaterra foram os perpetrados pelo IRA: o de 12 de outubro de 1984, quando explodiu o Grande Hotel de Brighton (litoral sul), onde Thatcher estava hospedada (a intenção era matá-la), e o de 07 de fevereiro de 1991, quando um morteiro lançou granadas no no. 10 de Downing Street (a sede administrativa do governo britânico), para matar o primeiro-ministro John Major e membros de seu gabinete, quando sancionava a Guerra do Iraque. 

Como Thatcher e May, Major também era do Partido Conservador. Mas o contexto desse ataque é totalmente diferente. Se há um quarto de século os ataques contra o governo Conservador britânico foram feitos por republicanos ateus e socialistas, e a Al Qaeda apoiava Washington e Londres na guerra do Afeganistão contra contra Moscou, agora o foco do terrorismo que emana do fundamentalismo islâmico é teocrático, monárquico e tradicionalista. 

O IRA trocou as armas pelas urnas, no final dos anos 90, sob a chancela do partido político Sinn Féin – que tem co-governado desde então a Irlanda do Norte, por meio do atualmente conturbado ‘power sharing”, cuja outra metade cabe aos unionistas, favoráveis à manutenção da província como território britânico. Ironicamente, Martin McGuiness praticava o abstencionismo no Parlamento britânico, recusando-se, como vários políticos irlandeses republicanos, a participar de sessões. 

Novo cenário mundial

Durante a Guerra Fria, irromperam-se vários grupos armados com um discurso de esquerda e anti-imperialista. Os mais importantes na União Europeia eram os irlandeses e bascos nacionalistas republicanos. No final deste período e com o desintegrar da União Soviética, todos os “exércitos” que antes orbitavam em torno da URSS  começaram a buscar um diálogo com seus antigos rivais. Se Moscou abriu-se ao capitalismo, estes grupos queriam aproximar-se de Washington. Assim, a Organização pela Libertação da Palestina (OLP), o African Nation Congress (ANC) e o IRA, entre outros, foram desistindo de suas ideologias socialistas para buscar a reforma do modelo econômico e os estados pelos quais antes lutaram.

Esta tendência para a reintegração com o sistema levou, finalmente, o último grande grupo guerrilheiro do Hemisfério Ocidental, os colombianos das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), a começar seu desarmamento e a aceitação da democracia de mercado. Um grande marco foi quando Nelson Mandela deixou de ser o ogro terrorista da era Thatcher para tornar-se uma espécie de marca registrada ou modelo de todos aqueles que renunciavam à luta armada para tornarem-se os novos administradores dos sistemas contra os quais lutaram antes.

Ao desarmar-se, o IRA reviu sua estratégia de reunificar a ilha da Irlanda como uma república socialista por meio de uma guerra anti-britânica. McGuinness, o ex-inimigo número um do Estado britânico, entrou na política e, em seguida, tornou-se  vice-primeiro-ministro da Irlanda do Norte, governando ao lado com o seu maior rival político, o então primeiro ministro anti-Papal e ultraconservador, o reverendo Ian Paisley. Finalmente, McGuinness protagonizou o mais improvável gesto de reconciliação: apertou a mão da rainha Elizabeth II, visto pelos antigos guerrilheiros republicanos como uma espécie de anti-Cristo.

Novo terrorismo

Já no final de suas atividades, IRA e ETA (Pátria Basca e Liberdade, em português) operavam com braços políticos legais, disputando eleições e ganhando vários cargos. Antes, seus ataques tornaram-se seletivos, tentando evitar matar civis porque seu objetivo era também tentar ganhar a simpatia deles dentro do território de seus inimigos. Suas ações eram organizadas pelas cúpulas e executadas muitas vezes com grande sofisticação.

Em vez disso, os ataques observados na Europa e neste 22 de março, em Londres, são projetados para causar tantas mortes de civis quanto possíveis e assustar a opinião pública (sem preocupação em ganhar simpatia dela), com pouca tecnologia e perpetrados por uma única pessoa, sem que seja necessária coordenação com outros. É um formato que exige poucos recursos e incorre em menos interferência de agências de inteligência.

Os jihadistas, até o momento, não conseguiram se organizar politicamente e não parecem se importar em disputar no voto seus pontos de vista. Sua estratégia é empregada exclusivamente para intimidar e provocar a islamofobia, e, assim, recrutar muçulmanos radicalizados por reações anti-islâmicas e que estão ansiosos para pressionar os poderes ocidentais a deixar o Oriente Médio.

Apesar de seu extremismo, o Estado Islâmico e a própria Al Qaeda quiseram chegar a um compromisso final com o Ocidente, que financiou suas atividades contra Gaddafi na Líbia, Hussein no Iraque e Assad na Síria. Além disso, por trás da origem da Al Qaeda e do EI, há sauditas e emirados como o Kuwait e o Qatar, que lhes têm fornecido armas, ideologia, dinheiro e/ou cobertura de logística.

Armas às urnas 

Se antes a Scotland Yard vigiava a minoria irlandesa no Reino Unido como sendo células terroristas em potencial (o filme Em Nome do Pai, de 1993, mostra isso muito bem), agora o foco da espionagem são as comunidades muçulmanas. A evolução do jihadismo e do republicanismo irlandês têm acontecido no sentido inverso. Se o primeiro foi de pró-EUA a anti-EUA, o segundo foi de anti-britânico à aceitação das instituições britânicas.

Pouco antes da morte de McGuinness  e do ataque a Westminster, foram realizadas eleições antecipadas na Irlanda do Norte, as quais resultaram nas primeiras em quase um século em que os unionistas não conseguiram maioria absoluta e onde os ex-simpatizantes do IRA praticamente empataram em primeiro lugar. A vitória do Partido Unionista Democrático (DUP) foi apertada, obtendo 28 das 90 cadeiras do Parlamento norte-irlandês. O Sinn Féin obteve 27.

Com seus avanços eleitorais e a esmagadora rejeição da Irlanda do Norte ao para Brexit, os republicanos irlandeses visam convocar um referendo para votação pelo sim ou pelo não à reunificação da ilha. Este e um possível referendo sobre a independência da Escócia é algo que pode minar o conservadorismo, o Brexit e o próprio Reino Unido.

O ataque a Londres interrompeu um debate no Parlamento escocês sobre o novo referendo. Mas isso será temporário. Os nacionalistas pró-independência vêm crescendo na Irlanda do Norte, Escócia, Catalunha e País Basco, apostando na pressão mais social e eleitoral que nos bombardeios. Mas nada disso parece atrair os jihadistas cujo objetivo é provocar uma guerra santa religiosa e estabelecer estados teocráticos no Oriente Médio, o chamado Califado.

Trabalhistas e conservadores

Uma esquerda britânica consistente pode ainda questionar o Trabalhismo, por ter renunciado ao anti-imperialismo, e também o Conservadorismo por provocar racismo. Para o partido Trabalhista (Labour), a situação torna-se mais complexa. O primeiro prefeito muçulmano da história de Londres, o atual trabalhista Sadiq Khan, discrimina correligionários radicalizados mesmo que o partido saiba que esses ataques acirram a xenofobia que está minando a base eleitoral Trabalhista.

O líder trabalhista Jeremy Corbyn, por sua vez, sempre apoiou a retirada britânica da Irlanda do Norte e a reunificação irlandesa. Mas ele não quer a separação escocesa. Se o jihadismo faz cresce o partido de extrema direita britânico UKIP, um arquirrival Trabalhista no norte da Inglaterra, a ascensão do nacionalismo escocês também o fez perder seu maior curral eleitoral (Escócia). 

Reação de May 

A primeirs-ministra britânica Theresa May respondeu aos atentados com prudência e belicosidade muito distante com a qual George W. Bush reagiu ao 9-11 – guardadas as devidas proporções. Mesmo que o ataque a Londres não possa nem de longe ser comparado ao 11 de Setembro, é evidente que May não quer explorar o ataque para lançar a guerra no exterior, como Trump faria, mas garantir a calma necessária à sociedade britânica para que possa, em poucos dias, cumprir o seu plano de aplicar o artigo 50 da União Europeia e iniciar o divórcio do Reino Unido dela. Os conservadores argumentam que, nos últimos anos, a Scotland Yard conseguiu frustrar 13 ataques terroristas. Mas falhou neste. O terreno fértil para estes ataques na Europa são as guerras no Oriente Médio e a crescente hostilidade aos imigrantes e minorias. Como esta situação deve persistir,  há tudo para gerar novos ataques.

(Isaac Bigio/Especial para brpress)

(*) Isaac Bigio vive em Londres e é pós-graduado em História e Política Econômica, Ensino Político e Administração Pública na América Latina pela London School of Economics. É um dos analistas políticos latino-americanos mais publicados do mundo ibero-americano. Tradução: Angélica Campos/brpress.

REPRODUÇÃO TOTAL E/OU PARCIAL DESTE CONTEÚDO SOMENTE AUTORIZADA PELA BR PRESS

Isaac Bigio

Isaac Bigio vive em Londres e é pós-graduado em História e Política Econômica, Ensino Político e Administração Pública na América Latina pela London School of Economics . Tradução de Angélica Campos/brpress.

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