O doping documentado
(São Paulo, brpress) - Documentário A Corrida do Doping, de Paulo Markun, mostra indústria da dopagem estabelecida, com conivência de poderosos às portas da Rio 2016. Assista a vídeo exclusivo. Por Juliana Resende e Claudina Corrêa.
(São Paulo, brpress) – A chapa esquentou para a Rússia nestes Jogos Olímpicos. O motivo não é político como insiste o presidente Vladimir Putin, mas uma questão ética: o doping. O escândalo revelado há duas semanas do início da Olimpíada, quando o relatório da Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês) apontou participação estatal em um amplo esquema de doping na Rússia durante os Jogos de Inverno de Sochi, sugerindo que o governo russo “dirigiu e controlou” o esquema, culminou com o banimento do atletismo da Rússia da Rio 2016. A Wada sugeriu que toda a delegação russa fosse impedida de participar destes Jogos, mas o Comitê Olímpico Internacional (COI) dediciu deixar atletas russos participaram – desde seja testados negativos em todos os exames antidoping, segundo critérios das federações internacionais de cada modalidade olímpica.
Em meio a esse turbilhão sobre o tema mais controverso do esporte atualmente e, pelo que parece, destes Jogos Olímpicos, o documentário A Corrida do Doping (Brasil, 2016, 90min, 12 anos), dirigido pelo jornalista Paulo Markun, vem a calhar. Markun e o sociólogo Marco Aurélio Klein, ex-secretário nacional da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), conversaram com o publico que foi à estreia do filme, em sessão gratuita na terça (19/07), no CineSesc. O filme, que oferece um panorama informativo completo sobre o doping e suas dimensões enquanto prática apoiada por uma indústria estabelecida, também será exibido na Globonews, no dia 30/0, às 21h.
A Corrida do Doping mostra médicos, atletas – os que assumem ter usado doping e os que denunciaram esquemas, como a meio-fundista russa Yulia Stepanova, que revelou o esquema de doping russo à emissora ARD e está refugiada nos Estados Unidos –,químicos e autoridades olímpicas discutindo a problemática do doping, sugerindo que trata-se de uma prática amplamente utilizada, com a conivência de treinadores e federações esportivas, nas mais diversas competições e diversos países.
Antes da exibição de A Corrida do Doping, o jornalista Paulo Markun concedeu entrevista exclusiva à brpress.
Você imaginava que o doping tomaria as dimensões que tomaram às vésperas da Rio 2016?
Paulo Markun – É delirante! Jamais pensamos que, há poucos minutos antes da estreia do documentário, a gente sabe se a Rússia vai competir nos Jogos do Rio de Janeiro [o Comitê Olímpico Internacional deu um prazo de sete dias para tomar uma decisão final sobre a exclusão ou não da Rússia como um todo da Rio 2016]; não sabemos se o Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem (LBCD), que custou R$ 188 milhões, vai estar disponível para fazer as análises de sangue e de urina dos 6 mil atletas que vão participar dos jogos olímpicos do Rio [no dia seguinte à exibição do filme, o LBCD, que havia sido suspenso por resultados falsos positivos devido a erros técnicos, foi liberado Agência Mundial Antidoping (Wada)]; não sabemos ainda o desfecho das denúncias de dopagem de atletas ingleses no Quênia. A cada dia surge um novo escândalo e um novo desdobramento – parece a Operação Lava Jato.
O que fica evidente, na sua opinião, diante da avalanche de fatos relacionados ao doping?
PM – Há interesses muito poderosos envolvidos na indústria do doping – que não é algo de fundo de quintal, feita por meia dúzia de malucos irresponsáveis. Em alguns países – felizmente não é o caso do Brasil –, o doping envolve autoridades, serviços secretos , altos interesses econômicos e financeiros de grandes empresas. Vemos também que isso acontece com absoluta conivência de órgão fiscalizadores.
Qual é o principal alerta que A Corrida do Doping faz à sociedade?
PM – Espero que o documentário sirva para mostrar ao grande público, que o doping não é apenas uma questão relacionada ao esporte de alto rendimento, mas que diz respeito às pessoas em geral, que praticam esportes nas academias e têm acesso a produtos caracterizados como doping pela internet e em todos os lugares do mundo.
E qual é a principal mensagem que o filme quer passar?
PM – De que é possível praticar esportes, inclusive de alto rendimento, sem a necessidade de se dopar. E que é possível sobreviver tomando esta decisão. O filme destaca a história do ciclista francês Christophe Bassons, que no auge das denúncias de uso de doping pelos participantes da Tour de France, se recusou a usar da dopagem e trouxe à tona o assunto publicamente. Há também um marchador alemão que, tendo sido pego dopado, deu a volta por cima e está limpo.
Qual é o maior desafio encontrado atualmente para o enfrentamento e combate do doping?
PM – A maior dificuldade é saber quem efetivamente pratica ou não o doping e faz uso destas substâncias regularmente, diante dos tentáculos da indústria do doping, e qual é a eficácia das maneiras de controlar esse uso.
(Juliana Resende/brpress)
Assista a vídeo sobre o doping com Paulo Markun e o diretor de fotografia Marcelo Amiky falando à brpress sobre A Corrida do Doping:
A MONTANHA RUSSA DO DOPING
03/12/14 – Canal de TV alemão ARD exibe o documentário “Dossiê Secreto sobre Doping: Como a Rússia Fabrica seus Vencedores”, que revela esquema de doping sistemático acobertado pelas autoridades na Rússia.
05/12/14 – Comitê Internacional Olímpico (COI) anuncia abertura de investigação.
11/12/14 – Membros da Federação Internacional da Atletismo (IAAF) investigados por corrupção renunciam aos cargos de presidente da federação russa e tesoureiro da IAAF (Valentin Balakhnichev) e consultor de marketing da IAAF (Papa Massata Diack, filho do então presidente da entidade, Lamine Diack).
16/12/14 – Agência Mundial Antidoping (Wada) estabelece uma comissão de investigação independente para avaliar as acusações do canal ARD.
01/08/15 – Às vésperas do Mundial de atletismo de Pequim, a ARD exibe outro documentário: “Doping: O Mundo Opaco do Atletismo”, com novas acusações, não apenas contra a Rússia, mas também contra o Quênia, embora delegação do país não tenha sido ameaçada de ser suspensa.
19/08/15 – O britânico Sebastian Coe, bicampeão olímpico dos 1.500 m de 1980 e 1984 e principal responsável pela organização dos Jogos de Londres-2012, é eleito presidente da IAAF, sucedendo a Lamine Diack, no cargo há 12 anos.
07/11/15 – Dois dias antes da publicação do relatório da comissão de investigação independente da Wada, um dos autores já avisa à Agence France Press que as revelações “vão abalar o esporte”.
08/11/15 – Sebastian Coe declara à France Press que está “chocado, irritado e profundamente triste” com as revelações às quais teve acesso.
09/11/15 – Wada divulga primeiras conclusões do relatório, com duras acusações de “doping organizado” na Rússia, com envolvimento dos mais altos escalões do Estado, inclusive dos serviços secretos, e pede a suspensão do atletismo russo de todas as competições internacionais, inclusive os Jogos do Rio.
11/11/15 – Nos Jogos de Inverno de Sochi, na Rússia, o presidente russo Vladimir Poutin garante total colaboração das autoridades do país e pede investigação interna, dizendo que sanções precisam ser individuais e não coletivas à delegação russa.
13/11/15 – Conselho da Federação Internacional da Atletismo (IAAF) suspende de forma provisória a Federação Russa de Atletismo (ARAF).
26/11/15 – ARAF desiste de recorrer e aceita a suspensão da IAAF.
14/01/16 – Wada torna pública a segunda parte do relatório da comissão de investigação, que destaca a responsabilidade de IAAF.
06/03/16 – ARD exibe outro documentário no qual revela que a Rússia continua desrespeitando as regras da luta contra o doping.
07/03/16 – Tenista russa Maria Sharapova anuncia que foi flagrada por uso de Meldonium, substância destinada a tratar casos de diabetes e arritmia cardíaca vendida apenas no leste europeu, que passou a integrar a lista da Wada apenas em janeiro. Cerca de 200 atletas, a maioria russos, também testaram positivo por uso desse produto.
11/03/16 – O Conselho da IAAF, reunido em Mônaco, mantém a suspensão da Federação russa.
12/05/16 – Ex-diretor do laboratório antidoping de Moscou, Grigory Rodchenkov, exilado nos Estados Unidos por motivos de segurança, revela ao New York Times que os Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi-2014 foram manchados por um escândalo de doping em grande escala. Rodchenkov acusa os serviços secretos de ter trocado amostras suspeitas e afirma que ao menos 15 medalhistas russos nesses Jogos estavam dopados.
08/06/16 – Em novo documentário, ARD acusa diretamente o ministro dos Esportes da Rússia, Vitali Mutko, de ter acobertado um caso de doping no futebol do país, em 2014.
17/06/16 – Conselho da IAAF mantém a suspensão da federação russa, mas abre uma brecha para que atletas ‘limpos’ participem dos Jogos, caso preencham critérios muito rigorosos.
21/06/16 – COI decide que atletas russos repescados pela IAAF poderão competir nos Jogos do Rio usando a bandeira do próprio país, já que o Comitê Olímpico russo não está suspenso como um todo. A IAAF tinha pedido que competissem como neutros – sob bandeira olímpica.
01/07/16 – Corredora russa Yulia Stepanova, que revelou o esquema de doping na Rússia à ARD e está refugiada nos EUA, é declarada elegível pela IAAF para disputar os Jogos do Rio. Mas ela se machuca e não poderá vir.
02/07/16 – Russa Anna Chicherova, atual campeã olímpica do salto em altura, testa positivo em nova análise de amostra coletada nos Jogos de Pequim-2008 e é suspensa pela IAAF.
04/07/16 – 68 atletas russos recorrem diante do Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) para tentar derrubar a suspensão da IAAF.
10/07/16 – Saltadora em distância russa Darya Klishina é repescada pela IAAF por treinar na Flórida, sendo submetida assim a exames mais rigorosos do que na Rússia.
18/07/16 – Wada denuncia “sistema de doping de Estado” em 30 esportes na Rússia, de 2011 a 2015.
19/07/16 – COI anuncia que vai “explorar todas as opções jurídicas”, entre exclusão coletiva de todos os esportistas russos e “direito à justiça individual”.
20/07/16 – COI anuncia prazo de sete dias para tomar uma decisão final sobre a exclusão ou não da Rússia como um todo.
21/07/16 – O Tribunal Arbitral do Esporte (TAS) rejeita recurso de 68 atletas russos contra a suspensão pela IAAF, tirando definitivamente o atletismo russo dos Jogos do Rio.
24/07/16 – COI decide que os atletas russos “limpos” poderão vir ao Rio, sob a condição que provem que estão livres de doping às federações.