
Achado literário no palco
(São Paulo, brpress) - Cia. Mungunzá não só reproduz, mas respeita e honra a obra-prima Por Que A Criança Cozinha Na Polenta. Por Lucianno Maza.
(SãoPaulo, brpress) – Nascida na Romênia em 1962, Aglaja Veteranyi, filha de artistas circenses, fugiu com os pais logo que o ditador comunista Nicolae Ceausescu assumiu o poder, sendo criada em um circo exilado, que excursionava pela Europa, África e América Latina.
Após mudar-se para a Suíça, formou-se e atuou no teatro, chegando a dirigir e escrever peças. Em 1999, lançou seu primeiro romance, a obra-prima Por Que A Criança Cozinha Na Polenta (DBA Editora, R$ 32,00), ganhador de diversos prêmios e respeito da crítica e público europeu, e levado aos palcos suíços pela própria autora, antes desta suicidar-se, em 2002.
Baseando-se no romance, a Cia. Mungunzá de Teatro é responsável por trazer para o teatro brasileiro o texto, em uma adaptação própria, assinada pelo diretor Nelson Baskerville, cujo mérito em respeitar e honrar o texto original é total.
Poesia e realidade
Partindo de inegáveis referências autobiográficas, a escritora apresenta em seu livro uma menina romena como personagem principal. Exilada ao lado dos pais e da irmã, artistas de um circo, a jovem – que excursionou pela Europa Central nos tempos da Cortina de Ferro – é a narradora de sua história, contaminando a realidade com seu olhar inocente e simbólico, e usando de sua imaginação infantil para tentar compreender o mundo absurdo e cruel no qual está inserida – tanto na esfera macro, gerada pela política social de seu país e por onde passa, como o do microcosmo de sua família degradada, na qual a mãe é alcoólatra e o pai mantém uma relação incestuosa com a filha mais velha.
Se por vezes a garota usa de sua fantasia para proteger-se do que lhe envolve, em outros momentos alcança uma sabedoria perspicaz que só as crianças podem ter. Os anos passam, e os sonhos também, e, enquanto escuta diferentes versões para a lenda romena da criança que cozinhou dentro da polenta, a menina cresce.
Teatro do Absurdo
O texto em prosa, escrito de forma simples e econômica, parece ter recebido influência direta do universo dramatúrgico do Teatro do Absurdo, transitando pelo realismo dos fatos e pela resignificação da visão da criança. Com uma aguçada poesia que, no entanto, não encobre ou dissimula a crueza com que a realidade histórica está representada, bem como a tragédia dos personagens, o resultado é uma obra arrebatadora.
Polenta no palco
A encenação está calcada em dois princípios eficientes à empreitada: primeiro o teatro épico, proposto na direção dos atores, que surgem com distanciamento de seus personagens e o descarte do envolvimento emotivo naturalista – o que responde muito bem ao caráter de narrativa da história.
Depois, o ambiente caótico, de onde emergem imagens e momentos mais delicados, mas cujo o todo, de certa forma confuso, sintoniza muito bem com a própria estrutura do romance que já tem em si esta característica. Dentro disso, muitos elementos pós-dramáticos são utilizados – alguns desnecesários, como o microfone, e outros que contribuem muito ao espetáculo, como os ótimos vídeos, e o prato típico que é cozinhado no palco ao longo da apresentação.
Atuações sensíveis
No elenco, alcançam melhor desempenho aqueles que conseguem manter-se dentro da linguagem épica proposta e, ainda assim, alcançar um nível sensível e essencial de emoção. É o caso, especialmente, de Marcos Felipe, que consegue transmitir toda a dubiedade do pai, construindo uma figura angustiante, ora odiosa na relação com sua família, e ora adorável nos seus delírio de grande artista.
Destaca-se também Verônica Gentilin, pela delicadeza e melancolia com que conduz a personagem da irmã. Já Sandra Modesto, como a menina protagonista, fica refém da forma durante a primeira parte da peça, carecendo de maior força. Mas no decorrer revela-se e tem em suas últimas cenas um ótimo trabalho, conquistando maior sensibilidade.
Por Que a Criança Cozinha na Polenta é um espetáculo teatral surpreendente, que apresenta com grande êxito a obra literária comovente de uma autora que merece ser descoberta.
Sessões: terças, às 21h. Até 25/05.
Ingressos: R$ 20,00.
Espaço dos Parlapatões – Praça Roosevelt, 158; (11) 3258-4449
(Lucianno Maza, do Caderno Teatral / Especial para brpress)