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Cena de O Cavalo de TorinoCena de O Cavalo de Torino

Húngaro digno de Nietzsche

(Berlim, brpress) - Filme que Béla Tarr trouxe ao Festival de Berlim, O Cavalo de Torino era sério concorrente ao Urso de Ouro, mas levou o Urso de Prata – mesmo lento e P&B. Por Rui Martins.

(Berlim, brpress) – Béla Tarr, o cineasta húngaro, trouxe ao Festival de Berlim o filme O Cavalo de Torino – sério concorrente ao Urso de Ouro mas que, pela decisão política do júri de premiar uma produção iraniana, levou o Urso de Prata de Melhor Filme. O longa, em preto e branco e muito lento, que se poderia resumir como um filme sobre o fim do mundo, mostra um lugar qualquer, no meio de um campo vasto, onde existe uma casa antiga, de pedra, sem eletricidade, sem água corrente, onde vivem duas pessoas: um pai e sua filha.

    A casa é açoitada pelo vento forte de uma tempestade, até acabar a água no poço, não se acenderem mais as lamparinas, morrer o cavalo e tudo ser envolto pelas trevas. Bela Tarr começa o filme com uma legenda sobre o fim de Nietzsche e citando uma frase, pela qual o pessimista escritor teria tentado salvar um cavalo, açoitado pelo carroceiro, abraçando-se chorando no cavalo. A seguir, passou dois dias sem falar, que se prolongaram por dez anos, vivendo na demência, cuidado por sua mãe e irmã.

Beleza da rotina

    É fácil de se resumir o filme, como é fácil se resumir os gestos básicos da rotina da vida, desde o levantar até o deitar. O velho pai volta com sua usada carroça e seu velho cavalo, num longo trecho da estrada lembrando um trecho de filme de Manoel Oliveira, onde as rodas de uma carruagem ocupam a cena durante longos minutos.

    Ao chegar, o cavalo é desatrelado, tiram-se seus freios e é recolhido para comer e beber, recolhe-se igualmente a carroça. O velho pai tem suas botas retiradas pela filha, que o esperava e que o ajudar a recolher o cavalo. Como seu velho pai tem um braço inerte, ela retira o casaco, malha e lhe veste com o que dormir.

    Ele se deita, ela prepara o jantar, uma grande batata para cada um, comem, deitam. São seis dias, e nesses seis dias, a filha refaz sempre os mesmos gestos de vestir e desvestir o pai, acender o fogo, cozinhas as batatas, lavar os pratos e dormir.

Silêncio

    Lá fora o vento sifla forte, ela vai buscar água no poço, e uma música, tocada por diversos instrumentos, repetitiva (como nas atuais músicas techno) se ouve, desde o começo até as duas horas de duração do filme preto e branco, bela fotografia, tomada de posições diferentes, já que tudo se repete dia a dia até o sexto dia final.

    Não há praticamente diálogo, o mínimo, como em Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos. Para Béla Tarr é a rotina da vida e a certeza de que tudo tem um fim. É a insuportável repetição de nossos gestos desde o nascer ao morrer, mas que não impede as pessoas de continuarem vivendo, na mesma repetição.

    Para Tarr, deve ser o último filme porque ele ali matou o cinema, que também vai ter seu fim, como nós todos e a Terra e o universo. O Cavalo de Torino é digno não só de Nietzsche mas de um Schopenhauer, que, pela sua plasticidade, não viu o cinema esvaziar.

(Rui Martins/Especial para brpress)

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