(brpress) – “Longa vida ao Rei”. A frase, saudação usada pelos súditos para se dirigir ao sucessor imediato do então monarca, no ato de seu falecimento, ganha um sentido mais amplo no filme O Discurso do Rei (The King’s Speech, Inglaterra, 2010), que estreia nesta sexta (11/02), no Brasil. Longa vida cabe também ao próprio longa, um soberbo drama sobre amizade, encorajamento e superação, indicado a 12 Oscar e 14 Bafta, o equivalente britânico ao prêmio americano.

Há quem veja na história verídica e, sim, floreada – que filme não tem essa licença poética? – do Rei George IV (Colin Firth, irretocável), uma ode à hegemonia anglófila predominante antes e depois da Segunda Guerra Mundial. Comandante acidental do Império Britânico, gago e inseguro antes de assumir o trono, “Bertie” (para os íntimos) é transformado num assertivo orador pelo nada ortodoxo e ousado terapeuta australiano Lionel Logue (Geofrey Rush, ótimo).

Bertie

Já que Logue de cara adota um despudorado Bertie para referir-se ao Rei, também vamos tomar essa liberdade. O apelido, aliás, funciona como uma metáfora do homem doméstico, tímido e quase inexpressivo que George VI é por traz do manto arrogante da realeza. Bertie é simplesmente um pai de família como seus súditos, compelido pela mulher Elizabeth (Helena Bonham Carter, a Rainha Mãe) a se tratar.

Com todo perdão, mas Sua Alteza não é exatamente um Churchill (Timothy Spall – o Peter Pettigrew de Harry Potter, engraçado na pele do estadista, talvez na maior ironia do filme) quando o assunto é carisma, impetuosidade e humor. A crítica não se incomodou com isso, mas com o fato de David, o filho mais velho do Rei George V, ter sido um simpatizante do nazismo – razão mais forte para que fosse forçado a abdicar do trono e não seu relacionamento com uma americana divorciada.

Ironia britânica 

Independente do compromisso com a realidade, o longa de Tom Hooper, de 38 anos, corre delicado e simples na tela, com uma despretensão desconcertante, fiado no desenrolar de um relacionamento intenso entre dois homens diferentes, provocado pela “paura” do nobre príncipe de falar em público. Este diálogo, entre Bertie e Logue, dá o tom da fina ironia que O Discurso do Rei destila:

Logue: – Como se sente? (depois de um de seus exercícios malucos)
Bertie: – Cheio de ar quente…
Logue: – Mas não é justamente sobre isso que são os discursos públicos?

O Discurso do Rei, que ganhou elogios até da Rainha Mãe e tem lotado salas no Reino Unido arrancando suspiros dos britânicos neste tempos de crise, só aconteceu pela paixão do roteirista David Seidler (Tucker 0 Um Homem e Seu Sonho) – ele mesmo gago quando criança – pela saga do Rei George VI, uma forte inspiração para que pudesse se superar.

É Seidler o responsável pela versão teatral de O Discurso do Rei, que vai estrear na Broadway ainda em 2011, com direção de Adrian Noble, ex-membro da Royal Shakespeare Company. Ou seja: é perfeitamente previsível que a máxima “Longa vida ao Rei” se transforme em realidade, tanto pelo sistemático monarca, que, com o filme, chega às massas e revive a importância de seu momento, quanto pelo potencial de peça na indústria cultural – ainda mais depois de um banho de Oscar.

(Juliana Resende/brpress)