Um Frankenstein para ser enterrado?
(brpress) - Não fosse a performance energética de James McAvoy, esse Victor Frankenstein nunca deveria ter sido trazido à vida. Por Juliana Resende.
(brpress) – Radical. Louco. Bêbado. Gênio. Cínico. Bonvivant. Generoso. Inovador. Rebelde. Megalomaníaco. Completamente apaixonado pela ciência a ponto de criar a vida sem qualquer crise de ética. Complexo de Deus? Se Ele existisse, quem sabe? Parece um coquetel excitante e é. Afinal, tratam-se de ingredientes de um clássico. Mas nem a performance energética (com uísque) de James McAvoy revive com louvor Victor Frankenstein em filme homônimo de Paul McGuigan, chegando agora às salas brasileiras.
Com uma direção de arte impecável e ainda assim com ares desenca(r)nados, o filme traz ainda Daniel Radcliffe (o eterno Harry Potter) como o devoto assistente do doutor, Igor. Mas McAvoy domina a cena e leva o filme nas costas (apesar de o corcunda, ou melhor, ex-corcunda, ser Igor). O destaque da produção são os diálogos sensacionais enfocando o acalorado embate entre ciência e religião que dominou o começo do século 19.
Ebulição
Há muito não se via um Frankenstein tão disposto a “mudar o mundo” e provar a todos que merece mais respeito – das instituições, do pai, da polícia, da Royal Society of Medicine, das mulheres e, finalmente, dos assistentes (isso para não falarmos dos monstros). Mesmo mais moderno, workaholic e ambicioso, o ’Frankenstein escocês’ de McAvoy fica longe de O Jovem Frankenstein de Mel Brooks, com Gene Wilder (de 1974). McAvoy bem que tenta fazer comédia, mas não se decide.
Fica difícil culpar o diretor, Paul McGuigan, que entregou episódios irretocáveis do seriado Sherlock. McAvoy é um grande ator e dá seu melhor. Mas isso não faz o filme acontecer. Nele, monstro não é bom nem nobre, como no livro original de Mary Shelley (que ela escreveu quando tinha apenas 19 anos, em 1817). Bom e nobre é um outro lado do egocêntrico, obcecado e, sim, um bocado punk doutor. É como se Dr. Jekyll and Mr. Hyde chutassem a porta do laboratório de Frankenstein.
Era da inovação
Esse filme só e fiel à obra de Shelley ao contextualizar a compulsão científica e o lado empreendedor de Victor num mundo que descobria avanços nunca antes imaginados na medicina, na biologia, na física, na química e na tecnologia à porta da Revolução Industrial. A humanidade seguia deslumbrada e apavorada ao mesmo tempo com Pasteur, Graham Bell, Morse, Edison, Tesla, Darwin, Curie e muitos outros.
Nesse sentido, as frases do doutor parecem um editorial da revista Nature, geralmente proferidas em lugares e ocasiões totalmente inapropriados, como à mesa, entre damas, num baile (“Ora, todos sabem que não é mais necessário um útero para gerar uma criança – o espermatozóide pode fecundar um óvulo num balde!”) ou durante a visita do investigador carola da Scotland Yard, farejando algo de muito profano nos seus experimentos.
A crítica não quer saber de ressuscitar nem o médico nem o monstro (pelo menos com esse Victor Frankenstein a cargo dos putrefatos trabalhos). E segue monocórdica acreditando que, neste caso, o que está morto deve ser enterrado e nunca jamais trazido à vida. Melhor você tirar suas próprias conclusões.
(Juliana Resende/brpress)
Assista ao trailer de Victor Frankestein: