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Grande Sertão peca pelos excessos e clichês. Foto: Globo FilmesGrande Sertão peca pelos excessos e clichês. Foto: Globo Filmes

Grande Sertão leva Guimarães Rosa à favela

Resultado é grandioso como produção e de baixo impacto como obra cinematográfica, apesar dos talentos envolvidos. Por Juliana Resende


(brpress) – Guel quer fazer Grande Sertão? “Ai que medo!”. Jorge quer fazer Grande Sertão? “Agora!”. O receio de Guel Arraes (O Auto da Compadecida) e a segurança de Jorge Furtado (Ilha das Flores) diante da obra monumental de Guimarães Rosa traduzem o ritmo quente-frio do filme, adaptado de Grande Sertão, Veredas, publicado em 1956 e considerado o maior épico da literatura brasileira. Pois o Sertão virou favela pelas câmeras dos dois dos mais experientes diretores e roteiristas em atividade no Brasil. 

“Eu e Jorge achamos que já era hora de fazer um filme sobre a guerra urbana brasileira com mais pontos de vista”, diz Arraes, em coletiva de imprensa, em São Paulo, antes do lançamento de Grande Sertão, em 06/06. É mais um exemplar do chamado “favela movie”, que já virou um subgênero cinema brasileiro e inspira cada vez menos o público e a crítica, devido ao desgaste de tantos filmes com abordagens similares – talvez porque a realidade da vida nas comunidades tenha mudado nada ou quase nada, entra ano sai ano, governo vai, governo vem. 

O desafio de achar esses pontos de vista – inclusive dos bandidos – nesta “guerra” moveu os consagrados diretores em direção à tragédia da violência nas periferias das grandes cidades do Brasil. Tudo muito social e politicamente correto. Porém, o resultado é grandioso como produção e de baixo impacto como obra cinematográfica, apesar dos talentos envolvidos, com destaque para as atrizes negras Mariana Nunes (Otacília) e Luellem de Castro (Nhorinhá).

Set de filmagens de Grande Sertão. Fotos: Ricardo Brajterman
Rodrigo Lombardi com Joca Ramiro, em Grande Sertão. Foto:Ricardo Brajterman

Coragem

“Não queria que o filme fosse uma ilustração da obra monumental de Rosa”, diz Guel Arraes. Apesar da coragem de subverter o monumento, diretor reconhece as dificuldades de tamanha empreitada e mais ainda a impotência da arte de oferecer uma resposta a uma tragédia social complexa e persistente que une racismo e militarização, “que não seja ruim a curto prazo como quer a direita ou boa a longuíssimo pela esquerda”, compara.  

Grande Sertão emula a luta entre policiais e bandidos, mas exclui a problemática das drogas ilícitas na “guerra” que assola a favela, limitando qualquer discussão mais profunda sobre o que se convencionou chamar de “guerra às drogas” hipócrita e especialmente pelo poder público. 

Aqui, a opção é pela “guerra aos pobres” – o que não deixa de ser louvável para abordar questões como lealdade e traição, vida e morte, amor e coragem –  aquela que  a vida quer da gente –, Deus e o diabo. É Riobaldo (Caio Blat), professor no filme ao invés de jagunço (ou “cangaceiro”, como prefere Guel) como no livro, que encarna e narra toda essa dualidade paradoxal, seduzido pelo crime devido ao amor recalcado por Diadorim (Luiza Arraes, filha de Guel e casada com Blat). Ela é ele e Riobaldo fica sem saber como lidar com a faísca do desejo. E, ao contrário da célebre frase do livro “A vida… o que ela quer da gente é coragem”, o protagonista nunca tem a coragem de revelar sua paixão e levá-la às vias de fato. 

Exagerado

Grande Sertões peca pelos excessos e clichês, atuações exageradas e caricatas demais – nada autênticas como as de Matheus Natchtergaele e Selton Mello como João Grilo e Chicó, em O Auto da Compadecida (segundo filme saindo em breve), obra-prima que Guel Arraes conduz com maestria criando uma obra com vida própria autônoma, apesar de baseada na dramaturgia de Ariano Suassuna. 

Quem mais chega perto da autenticidade e da empatia do público é Zé Bebelo (Luís Miranda). Carismático, delirante e ético, o “coronel” Bebelo conquista o respeito do bando de Joca Ramiro (Rodrigo Lombardi, irreconhecível, assim como Eduardo Sterblitch como Hermógenes) e promove o encontro entre a tênue fronteira entre a lei e a contravenção em meio ao caos e à selvageria.    

Se Guel admite que relutou em aceitar o convite para estar à frente dessa empreitada cinematográfica, com receio de ser engolido pela grandiosidade da obra, é natural que o público também tenha. O diretor contou que pediu um tempo antes de dizer sim porque “aquele livro tinha uma grande muralha e nós tínhamos de achar uma porta para que pudéssemos entrar”. Infelizmente, vai ser difícil colocar mais gente para dentro. 

(Juliana Resende, brpress)

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Juliana Resende

Jornalista, sócia e CCO da brpress, Juliana Resende assina conteúdos para veículos no Brasil e exterior, e atua como produtora. É autora do livro-reportagem Operação Rio – Relatos de Uma Guerra Brasileira e coprodutora do documentário Agora Eu Quero Gritar.

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