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O plebiscito e a complexidade do voto

(Londres, brpress) - Jornalista brasileiro que mora no país há 20 anos compara crise política do Brasil e do Reino Unido. Por Geraldo Cantarino.

(Londres, brpress) – Quem mora aqui na Inglaterra acordou hoje com uma bomba. O plebiscito que mobilizou o cenário político nos últimos meses trouxe um resultado inesperado: a saída do Reino Unido da União Europeia. As consequências imediatas foram dramáticas: renúncia do primeiro-ministro David Cameron; queda brusca da libra esterlina e anúncio de um provável novo plebiscito para decidir a independência da Escócia.

Apesar de não votar aqui, estava torcendo pela permanência na União Europeia. A minha opinião é de que a parceria com outros países do bloco traz fortes benefícios à economia, não só a do Reino Unido como a da Europa, além de vantagens ao meio ambiente, aos direitos humanos e à pesquisa científica e acadêmica.

ISem dúvida, entramos numa era de incertezas. Trocamos o mais ou menos certo pelo totalmente duvidoso. Ninguém sabe quais serão as consequências a longo prazo dessa mudança de curso. O futuro está ao deus-dará.

Brasil e Reino Unido: países divididos

Entretanto, podemos fazer algumas considerações de como chegamos a esse voto derradeiro. Instigado por uma amiga brasileira, também residente aqui na Inglaterra, tentei refletir se havia algum aspecto em comum entre o Brasil e o Reino Unido neste momento, principalmente no tocante ao acirramento do debate político. 

Se olharmos os números, o resultado percentual do plebiscito britânico é exatamente igual ao da eleição presidencial brasileira de 2014. A presidente Dilma Rouseff foi reeleita com 51,64% dos votos contra 48,36% de Aécio Neves. Ou seja, 52% versus 48%, o mesmo resultado de hoje, que dá vitória à saída britânica da União Europeia.

Isso demonstra uma forte divisão do eleitorado. E vitórias apertadas têm os seus complicadores. Uma enorme parcela da população se sente insatisfeita com os rumos que serão traçados.

No Brasil, muitos eleitores de Aécio Neves não se conformaram com o resultado das urnas e protestaram. Essa reação contribuiu para a instabilidade do governo Dilma e ajudou a criar o clima que deflagrou o processo de impeachment, baseado na revelação de casos de corrupção crônica pela Operação Lava-Jato.

O voto 

O voto é uma expressão democrática, que precisa ser respeitado. E isso não é fácil quando se está do lado perdedor. Mas como chegamos ao voto? A meu ver, temos pelo menos dois caminhos: um técnico e outro político.

O primeiro está relacionado aos fatos. Como deixar as opiniões de lado e chegar, exclusivamente, aos fatos que possam jogar uma luz na melhor opção? Deveríamos, então, analisar, com frieza, os prós e contras que envolvem uma determinada escolha.

Complexidade

Com base em dados sólidos e pesquisas sérias, puxaríamos o saldo para ver quem sairia ganhando. O lado que parecesse mais vantajoso levaria o nosso voto.

O problema é que isso é um exercício complexo, envolve muitas variáveis e nem sempre temos em mãos dados confiáveis, corretos ou completos. Por isso, recorremos a especialistas para ouvir opiniões, que muitas vezes são contraditórias. 

Um agravante é que numa campanha muito disputada o debate acaba sendo contaminado por versões imprecisas ou inverídicas dos fatos. Distorções, exageros, mentiras, alarmismo, ameaças, discursos do medo, propaganda enganosa, manipulação da opinião, artimanhas e promessas vazias são comuns em campanha de natureza política.

No entanto, tudo isso acaba influenciando a decisão de muitos eleitores. Temos, então, que estar sempre atentos e o mais bem informados possível. E isso também não é tarefa fácil. Quais são as nossas fontes de informação que vão balizar a formação de nossas opiniões? 

E aí entra a segunda questão: o aspecto político. A escolha dessas fontes de informação estará associada à postura política que adotamos. Em última análise, o voto será uma consequência de nossas convicções políticas. E elas são escolhas pessoais, associadas às nossas prioridades. Onde está o certo ou o errado? 

No caso do plebiscito britânico, a preferência pela opção (a) ou (b) dependia de uma tomada de posições diante de questões complexas, como economia, imigração, emprego, meio ambiente, agricultura, impostos, segurança, soberania, autonomia, saúde, multiculturalismo, comércio, indústria, liberdade, identidade cultural, direitos humanos e por aí vai. 

Por sua vez, esses posicionamentos dependem, invariavelmente, de muitos outros fatores, como nível de escolaridade, renda familiar, local de residência e faixa etária.

O que será que será? 

E quais as conclusões, portanto, que podemos tirar do resultado de hoje das urnas aqui no Reino Unido? Será que a maioria da população britânica estava mal informada e tomou a decisão errada? Será que ela foi manipulada por parte da mídia? Será que ela se deixou influenciar por líderes carismáticos com discursos fortes e persuasivos? Será que elas foram vítimas de uma disputa interna de poder entre lideranças de um mesmo partido? Será que a culpa foi da oposição que não entrou na briga mais cedo e com uma ação mais contundente? Será que o resultado reflete a opinião sincera de uma parcela da opinião pública que estava insatisfeita com o governo conservador de David Cameron e usou o plebiscito para dar uma resposta? Será que estamos diante de um movimento de fortalecimento do nacionalismo inglês em busca uma identidade própria, distante da Europa e até das outras nações do Reino Unido? Ou será que já estamos dentro de uma onda radical à direita que demonstra temor, aversão ou ódio aos estrangeiros, ou à cultura estrangeira?

As respostas a essas perguntas vão estar, também, relacionadas às posições políticas que cada um de nós adotamos. E, assim, o debate continua.

(Geraldo Cantarino*/Especial para brpress)

(*)  Geraldo Cantarino vive na Inglaterra há 20 anos, é jornalista e autor de quatro livros publicados pela Mauad Editora: 1964 – A Revolução para inglês ver, Uma ilha chamada Brasil, Segredos da propaganda anticomunista e A ditadura que o inglês viu. Com Mestrado pelo Goldsmiths College, faz, atualmente, Doutorado no Brazil Institute do King’s College London.

REPRODUÇÃO TOTAL E/OU PARCIAL DESTE CONTEÚDO SOMENTE AUTORIZADO PELA BR PRESS.

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