Sucupira é aqui, agora
(brpress) - O Bem Amado tem como mérito voltar, "oportunisticamente", parafrasendo Odorico Paraguaçu – o melhor do remake –, em ano de eleição. Por Juliana Resende.
(brpress) – Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma, já dizia Lavoisier. Certíssimo. Vale também para a versão cinematográfica de O Bem Amado, em cartaz em circuito nacional. O novo filme de Guel Arraes tem como mérito voltar, “oportunisticamente”, parafrasendo Odorico Paraguaçu – o melhor do remake, na pele de Marco Nanini –, em ano de eleição e 37 anos depois da excelente novela.
Ao contrário do texto de Dias Gomes, escrito antes da instauração da ditadura militar no Brasil, a novela foi levada ao ar em 1973 pela primeira vez. E, como brasileiro tem memória fraca, o longa é últil ao lembrar que as peripécias e maracutaias do velho Odorico continum atualíssimas. “O Bem Amado se atualizou”, avisa Guel. “E Sucupira continua sendo Brasil”.
Crítica e humor
Partindo dessa tese, o filme cumpre seu papel crítico e mostrando, de maneira quase didática , os desvios da então “esquerda” – “bolchevista e subversiva”, como brada Odorico –, representada por um exagerado e sempre caricato Tonico Pereira, corrompida pelo dinheiro e pelo poder. É O Bem Amado da oposição e da situação.
O filme de Guel Arraes, produzido por Paula Lavigne e viabilizado com dinheiro público (R$ 8 milhões), incluindo providencial verba do governo de Alagoas – estado com o maior índice de homicídios do Brasil, com 63,4 morte por cada 100 mil habitantes* (como é que faltava defunto no cemitério de Odorico?) –, vale real mas não somente por propiciar este cômico senão trágico paralelo entre a ficção e a realidade, o passado e o presente brasileiros.
Nanini é um show à parte e ofusca todo o elenco – fraco e carioca demais para uma verdadeira Sucupira (“interpretada” pela cidade alagoana de Marechal Deodoro). Não há sequer aquele sotaque nordestino carregado que dá ainda mais graça aos arremedos linguísticos de Odorico. No entanto, o ator, que já interpretara o personagem no teatro, incorpora naturalmente o safado político.
Intimidade
“Repeti-lo tantas vezes no palco me deu uma intimidade maior com Odorico”, diz Nanini, para inveja das irmãs Cajazeiras – peruas fundamentais na trama, ressuscitadas com pompa e circustância por Andréa Beltrão, Zezé Polessa e Drica Moraes. Mas nem mesmo o jornal A Trombeta consegue enquadrar Odorico: este é um trabalho para Zeca Diabo.
Marcado por Lima Duarte, que viveu o matador na novela, o “homi” vai muito bem encarnado em José Wilker, cearense que ainda traz memórias de infância sobre o cangaço, em Juazeiro: “Minha mãe conheceu Lampião”, conta. É Zeca Diabo ele quem vai dar cabo do larápio prefeito, personificando a vontade primal de muito brasileiro por aí.
(Juliana Resende/brpress)
(*) Dados de 2009 do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci); para Organização Mundial da Saúde (OMS), passando de 10 assassinatos por 100 mil habitantes, trata-se de situação de violência epidêmica.