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Vandalismo ou protesto?

(Londres, brpress) - Manifestação contra morte de suposto traficante foi faísca para combustão de frustração ante ajustes econômicos e drásticos cortes nos programas sociais. Por Isaac Bigio.

Isaac Bigio*/Especial para brpress

(Londres, brpress) – A 50 semanas para o início dos Jogos Olímpicos em Londres, nesta cidade se instalou uma competição nada desportiva, em que diversas ”equipes” disputam a produção de saques e chamas em distintos pontos desta e de outras cidades do Reino Unido.

Antes que a tocha olímpica ilumine a nova vila desportiva, por toda a maior cidade européia aparecem tochas de fogo, bombas caseiras e outros artefatos incendiários.

A faísca lançada sobre a pradaria seca foi desencadeada na noite de sábado (06/08), em Tottenham High Road. A presença de 200 a 300 pessoas, que haviam comparecido ao local, para indagar pacificamente sobre a morte de Mark Duggan, acabou em violência e quebra-quebra.

Balas da polícia

Duggan era um mulato de 29 anos que, segundo a polícia, foi baleado dois dias antes por resistir à prisão, sob acusação de ser traficante de cocaína. Mas seus familiares alegam que ele simplesmente teria sido executado, já que todas as balas encontradas são provenientes de armas policiais.

Em algum momento do protesto houve a informação de que a polícia havia espancado uma menor de idade e este fato gerou o estampido de violência que terminou com a queima de vários estabelecimentos e carros (incluindo um ônibus de dois andares, o icônico Double Decker Bus vermelho), e uma série de saques em dois centros comerciais vizinhos (o de Tottenhan Hale e o de Wood Green), e em outras partes que vão desde o extremo norte de Londres (Enfiled) até o sul (Brixton).

Anos 80

No início dos anos 80, Brixton e Tottenham, os dois bairros com a maior população negra da Inglaterra, foram focos de choque com a polícia. Nestas e em outras oportunidades, os atos de vandalismo ocorreram em um determinado distrito – e duraram vários dias.

Neste momento, entretanto, as coisas parecem ter se acalmado um pouco em Tottenham, mas se espalharam por toda a cidade, em bairros que ainda não tinham experimentado este tipo de violência e que não estão conectados entre si por linhas de trem ou ônibus.

Outras paragens

Há bairros como Peckham, no sul, e Hackney, no leste, que têm tradição de violência de rua e bolsões de pobreza multiétnica, mas há outros como Woolwich (no extremo leste do rio Tamisa), Croydon (no extremo sul de Londres), Ealing (oeste, perto de uma das zonas mais abastadas), Camden (distrito do centro de Londres, onde morreu Amy Winehouse) e Clapham (zona de classe média no sudoeste londrino, onde vive uma população branca e acomodada).

Os distúrbios chegaram a Birmingham e Liverpool, e podem se estender a outras partes. Ainda que existam bandos e baderneiros infiltrados, o certo é que se trata de um movimento espontâneo, no qual se podem ver jovens e adolescentes que cobrem os rostos com lenços e capuzes e que quebram vidros e portas com pedaços de pau e pedras que encontram nas ruas.

Falta de perspectiva

O caldo que entornou, desaguando em tamanho descontentamento, vem sendo engrossado pela frustração que há ante os novos ajustes econômicos. Desde que, em maio de 2010, o novo governo conservador-liberal assumiu, vem produzindo drásticos cortes nos programas sociais.

As matrículas universitárias (que há uma década eram gratuitas) agora superam os 10 mil euros anuais. As bolsas de estudo pagas aos estudantes de bacharelado estão desaparecendo. Os oportunidades idem. Muitos jovens que não vislumbram a possibilidade de fazer uma carreira universitária ou de conseguir empregos vêem no vandalismo uma forma de protestar e de apropriar-se de objetos e roupas a que não têm acesso.

O governo fala em cortar o auxílio-moradia para os mais pobres e em fazer com que 90% dos mais de 2 milhões de doentes percam os benefícios que recebem por não estarem aptos a trabalhar.

Abusos e prejuízos

A jornalista Nina Powwer escreveu no Guardian que este movimento expressa um descontentamento profundo ante uma polícia que perpetra abusos (nenhum policial foi incriminado pela morte da terça parte das pessoas que estavam sob custódia policial) e ante um sistema que transformou o Reino Unido numa potência com pouca mobilidade social, e onde 10% dos mais ricos são 100 vezes mais abastados que 10% dos mais pobres.

Esta é a pior onda generalizada de violência não-grevista e não-militar que já aconteceu em Londres. Ainda que não tenha havido mortos, os danos materiais contam-se na esfera de várias centenas de milhões de libras, euros e dólares.

Políticos e rumos

O primeiro-ministro David Cameron, o prefeito londrino Boris Johnson e o líder da oposição David Miliband foram obrigados a abandonar suas férias. O ex-prefeito “vermelho” Ken Livingstone saiu de cena, afirmando que é o governo, com seus cortes nos programas de assistência social (incluindo os fundos para a polícia), o culpado pelo desastre.

A estas alturas, não é possível prever os rumos dos acontecimentos. Enquanto escrevemos estas linhas (madrugada desta terça-feira, 09/08), aparecem novos informes nos quais incêndios se alastram em outros bairros, desde o centro comercial de Ealing até a zona comercial de Clapton Junction (onde está a estação de trem com maior número de trilhos da Europa).

Fenômeno diferente

Londres já passou por explosões de vandalismo restritas a certos bairros, violência em algumas passeatas, lutas de rua entre racistas e anti-racistas e greves. Mas o que acontece agora é diferente. Trata-se de uma série de explosões espontâneas que vêm ocorrendo em vários locais e sem que, aparentemente, exista uma direção e uma coordenação nestes movimentos.

(*) Isaac Bigio vive em Londres e é pós-graduado em História e Política Econômica, Ensino Político e Administração Pública na América Latina pela London School of Economics. É um dos analistas políticos latino-americanos mais publicados do mundo. Tradução de Angélica Campos/brpress. Fale com ele pelo e-mail [email protected] ou pelo Twitter @brpress.

Isaac Bigio

Isaac Bigio vive em Londres e é pós-graduado em História e Política Econômica, Ensino Político e Administração Pública na América Latina pela London School of Economics . Tradução de Angélica Campos/brpress.

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