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Lois DavisLois Davis

Por que é preciso parar bombardeios na Síria

(Londres, brpress) - E no Iraque, no Afeganistão, Mali, Somália, Líbia, Iêmen e outros, como quer a Stop the War Coalition. Isaac Bigio explica.

(Londres, brpress) – Neste sábado (28/11), milhares de pessoas se aglomeraram em frente ao gabinete do primeiro ministro  britânico, David Cameron, para  impedir mais bombardeios na Síria como resposta aos ataques em Paris e ameaças do Estado Islâmico. Protestos contra a ação de acirramento dos ataques aéreos   a alvos supostamente do EI em território sírio ocorreram em todo o Reino Unido, de forma pacífica, liderados pela Stop the War Coalition.

    O que se coloca em cheque é a eficácia dos bombardeios no combate ao  terrorismo, já que os mesmos já ocorrem desde as guerras do Afeganistão e Iraque, há 15 anos, e isso não cessou atividades terroristas. Ao contrário, parece fomentá-las ainda mais, justificando novos recrutamentos e o surgimento de novos grupos. O músico Brian Eno, um dos apoiadores da Stop the  War Coalition, afirmou que “bombardear a Síria é tornar o sonho do Estado Islâmico  realidade”.

Efeito colateral

    Milhares de civis vêm sendo mortos por conta das ações militares dos  EUA, França, Reino Unido e Rússia no Oriente Médio, a crise dos refugiados destas guerras é a maior desde a Segunda Guerra e o massacre em Paris revela falhas nos serviços de inteligência ocidentais e a sofisticação internacional tafrikista, que tem sede entre o Iraque e a Síria. O tafrikismo é uma corrente intransigente que deseja estabelecer uma teocracia sunita reprimindo pessoas de outros credos, desde cristãos até muçulmanos de outras linhagens.

    O argumento dos seguidores do “Califa Ibrahim” é que as potências ocidentais têm vindo a produzir centenas de milhares de mortes no mundo muçulmano em suas sucessivas guerras no Afeganistão, Iraque, Mali, Somália, Líbia, Síria, entre outros, e que tais ações seriam casos para tribunais penais internacionais, como a punição para os bombardeios franceses, britânicos e americanos.  

    Se o atentado de 11 de setembro de 2001, em Nova York, rotulou a Al Qaeda como núcleo do fundamentalismo sunita, o sangue derramado em Paris está sendo usado por dissidentes da Al Qaeda, como o Estado Islâmico, para mostrar que agora eles é que são o principal destaque do terrorismo fundamentalista.
 
    Todos os 193 países membros das Nações Unidas se solidarizaram com a França, enquanto bandeiras francesas tremulam em todos os lugares  do planeta.O presidente russo, Vladimir Putin, afirmou que esses atentados confirmam que a Rússia estava certa ao realizar milhares de bombardeios sobre a Síria, em apoio ao governo daquela nação. Ele afirma ainda que essas ações militares deverão se intensificar.
 
Mãos ‘erradas’

    O Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, numa reunião em Viena com os seus colegas da Rússia e de outros países, confirmou mudança de sua política para com a Síria. Faz quatro anos, Obama financiou em bilhões de dólares os insurgentes contra o governo de Bashar al-Assad, em Damasco. Mas grande parte destes “rebeldes”, bem como dos recursos e armas da OTAN acabaram nas mãos da Al Qaeda e dos grupos de origem, incluindo a seção oficial síria da rede Al Nusra e a fração radicalizada destes que, em 2014, proclamou a fundação de um Estado Islâmico que liga o leste da Síria com o oeste iraquiano.
 
    Kerry propõe agora um acordo entre seus amigos rebeldes e o governo sírio para combater o Estado Islâmico e inaugurar uma república viável naquele país. Depois de Washington transformar Assad no novo Saddam Hussein ou Muammar Kaddafi (ambos depostos por seus aliados), o governo americano agora está disposto a se associar ao governo sírio que, apesar das barbaridades que vêm cometendo contra seus opositores, é apoiado pelas tropas aéreas russas, associadas ao Irã e o Hezbollah no Líbano.
 
    O massacre de Paris é uma nova resposta à política da OTAN sobre o mundo muçulmano. Inicialmente, ações da CIA e serviços de inteligência dos aliados sauditas e paquistaneses culminaram na criação da Al-Qaeda, como uma ferramenta para atacar o governo esquerdista do Afeganistão, apoiado pela intervenção soviética de 1979 e a revolução iraniana também ocorrida naquele ano.

    Após a intervenção militar da OTAN no Afeganistão, o Iraque, a Líbia e a Síria forneceram incentivos para o crescimento dos apoiadores de Bin Laden, incluindo países onde Al Qaeda nunca teve bases fortes. O Estado Islâmico cresceu graças ao apoio logístico da Turquia, da Arábia Saudita, do Qatar e de várias petromonarquias árabes, que o armou e também o financiou para minar o governo de Assad na Síria, acirrando a guerra civil.
 
    A Arábia Saudita, uma das teocracias monárquicas mais despóticas do planeta, promoveu uma versão totalitária e sectária do islã, proibindo igrejas, partidos, sindicatos e reprimindo os direitos das mulheres e das minorias muçulmanas não sunitas. Os sauditas e seus parceiros do Qatar impuseram a um membro de sua multimilionária família oligárquica (Bin Laden) a tarefa de lutar no Afeganistão, recebendo depois incentivos de grupos jihadistas na Líbia, no Iraque e na Síria.
 
    Os sauditas também têm impulsionado estes grupos contra o Irã e os movimentos xiitas que governam no Iraque e no Líbano, que compõem a maioria do Bahrein (ilha que invadiram para suprimir os protestos populares anti-monarquistas) e veio para tomar o poder no Iêmen, república que recebe bombardeios massivos. No entanto, para Washington e o Ocidente as autocracias árabes que fornecem petróleo barato são os seus maiores aliados no Oriente Médio.

    Segundo a polícia francesa, um dos terroristas em Paris seria um refugiado sírio que seguiu para a Europa em 2015, através da Grécia. Esta informação, mesmo não confirmada, pode ser utilizada como uma arma contra as centenas de milhares de refugiados desesperados pelas guerras e atingidos pela pobreza produzida pelas potências ocidentais e pelos governos corruptos de seus próprios países para conter a maior onda de imigração europeia nos últimos dois terços de século.

Eleições na França

    A França suspendeu a liberdade de circulação entre os seus outros vizinhos europeus. Enquanto isso, muros estão sendo construídos nas fronteiras da Hungria e Croácia. Os imigrantes são os que pagam a fatura de tais atrocidades, pois já sofrem restrições reforçadas, enquanto os EUA avançam com a proposta de se construir um paredão separando o país da América Latina, na fronteira do México. Se o xenófobo Donald Trump avança como o favorito das internas republicanas, exigindo a expulsão de 12 milhões de pessoas irregulares (a maioria latino-americana), na França, a Frente Nacional neofascista espera conseguir mais votos do que o partido do governo nas eleições regionais, marcadas para 06 e 13 dezembro.

    A Frente Nacional francesa se aproveitou da tragédia em Paris para solicitar o fechamento de mesquitas e deportar muçulmanos, a quem chama de “radicais”. A França é o país da União  Europeia com o maior número de muçulmanos e têm sido objeto de numerosos ataques racistas e islamofóbicos, inclusive, por parte da polícia nacional. 

    No Reino Unido a possibilidade de haver um novo ataque terrorista como o de 7 de julho, faz 10 anos, não é algo tão fácil de ocorrer como na França, devido ao controle mais rigoroso da circulação de pessoas nas ilhas, a proibição para o transporte de armas de fogo e um serviço de inteligência mais eficaz. No entanto, essa possibilidade não está descartada.
 
    Os ataques em Paris serão usados por Cameron para exigir uma maior intervenção militar no Oriente Médio e assim, manter o projeto bilionário do submarino nuclear britânico Trident. Paradoxalmente, a carnificina de Paris ocorreu imediatamente após o próprio chefe do governo britânico aplaudir a morte de um compatriota em um bombardeio estrangeiro. Este ato foi perpetrado pelos EUA contra o inglês conhecido como “John Jihadista”, um muçulmano nascido e criado na Grã-Bretanha, que foi para a Síria se tornar carrasco de reféns ocidentais no EI.
 
    O novo líder trabalhista britânico, Jeremy Corbyn, refuta que o acirramento dos bombardeios na Síria pelos EUA e aliados vá tornar o Reino Unido, EUA e/pu França mais seguros e indica que a melhor maneira de evitar novos ataques terroristas seria retirando a presença militar britânica do mundo muçulmano e investir num Estado palestino. Corbyn resolveu consultar todos os parlamentares trabalhistas sobre que posição tomar na votação sobre o aumento dos ataques aéreos britânicos na Síria que Cameron pretende convocar.

    Enquanto a maioria dos líderes ligados ao Partido Trabalhista argumenta que a melhor maneira de evitar a radicalização da minoria muçulmana britânica e novos ataques no arquipélago seria cessar as intervenções no Oriente Médio, bem como a crescente discriminação contra os imigrantes, a tendência oficial do governo é responder aos ataques a Paris com mais bombardeios.

(Isaac Bigio*/Especial para brpress, com informações do jornal The Guardian e Stop the War Coalition)

(*) Isaac Bigio vive em Londres e é pós-graduado em História e Política Econômica, Ensino Político e Administração Pública na América Latina pela London School of Economics.

Isaac Bigio

Isaac Bigio vive em Londres e é pós-graduado em História e Política Econômica, Ensino Político e Administração Pública na América Latina pela London School of Economics . Tradução de Angélica Campos/brpress.

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