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31 de março de 1964 não é um marco para a democracia brasileira

(Londres, brpress) - Data entra, sim, para a história do país, mas como um marco de ruptuda ordem democrática do Brasil, com reflexos até os dias atuais. Por Geraldo Cantarino.

(Londres, brpress) – Na Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964, o Ministério da Defesa afirmou que o “Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira”. A afirmação está errada e merece uma reflexão.

Pode um movimento que depôs um presidente legítimo ser considerado um marco para a democracia brasileira? Seria o termo “movimento” o mais adequado para denominar o conjunto de ações daquela fatídica terça-feira, que, para muitos observadores, consumou-se de fato no dia seguinte, 1º de abril, Dia da Mentira?

Poder à força

A meu ver, o que ocorreu há 56 anos foi nada menos do que “uma tomada inesperada do poder governamental pela força”, conforme clássica definição de golpe de Estado em qualquer dicionário.

E essa tomada de poder estava impulsionada não apenas por motivos ideológicos, mas por poderosos grupos econômicos associados ao capital multinacional, interessados em conquistar e transformar o Estado a seu bel-prazer. E esse golpe empresarial-militar permitiu isso, a conquista do Estado, como tão bem demonstrou o cientista político René Armand Dreifuss, em sua obra seminal 1964 – A Conquista do Estado (Ed. Vozes, 1981)  

O 31 de março de 1964 entra, sim, para a história do país, mas como um marco de ruptura da ordem democrática do Brasil, com reflexos até os dias atuais.

Graves violações de direitos humanos

Um movimento que dá início a um regime responsável por graves violações de direitos humanos como sequestro, detenção ilegal e arbitrária, tortura, execução extrajudicial, desaparecimento forçado, ocultação e destruição de cadáveres não pode ser um marco para a democracia brasileira.

Um movimento que dá início a um regime responsável por pelo menos 434 mortes não pode ser um marco para a democracia brasileira.

Regime autoritário

Um movimento que dá início a um regime autoritário que fica no poder por 21 anos, suspende eleições diretas para presidente e promove uma série de arbitrariedades, como cassação de mandatos eletivos, suspensão de direitos políticos por dez anos, recesso do Congresso Nacional, proibição de manifestação de natureza política e suspensão da garantia de habeas corpus não pode ser um marco para a democracia brasileira.

Sem investigação, sem punição

Um movimento que dá início a um regime que aprova uma Lei da Anistia, que vinculou a anistia aos militantes políticos aos crimes cometidos pelos agentes da repressão, impedindo assim a investigação, julgamento e sanção dos responsáveis por graves violações de direitos humanos não pode ser um marco para a democracia brasileira.

Corrupção

Um movimento que dá início a um regime acusado de corrupção, tráfico de influência e arbítrio nos altos escalões do governo e de desperdiçar milhões de dólares em projetos duvidosos ou inacabados, em detrimento de investimentos urgentes em serviços básicos de saúde e educação para a população não pode ser um marco para a democracia brasileira.

Um movimento que dá início a um regime que, como disse o antropólogo Darcy Ribeiro, promoveu “o enriquecimento mais escandaloso dos ricos e o empobrecimento mais perverso dos pobres” não pode ser um marco para a democracia brasileira. Nem em país algum.

Não. Definitivamente, 31 de março de 1964 não é um marco para a democracia brasileira. Não é uma data para ser esquecida, nem comemorada. É uma data para nos fazer lembrar do quão frágil e vulnerável é a nossa incipiente democracia.

(Geraldo Cantarino*, especial para brpress)

(*) O jornalista e escritor Geraldo Cantarino vive há 20 anos na Inglaterra, onde fez mestrado pelo Goldsmiths College, e é autor dos livros 1964 – A Revolução para Inglês Ver, Uma Ilha Chamada Brasil, Segredos da Propaganda Anticomunista e A Ditadura que o Inglês Viu (publicados no Brasil pela Mauad Editora) e prepara novo livro Geisel em Londres.

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