Arte democrática abre verão inglês
(Londres, brpress) - Acontecendo por 245 anos seguidos na Royal Academy of Arts, Summer Exhibition mescla consagrados e desconhecidos na maior mostra com inscrição pública do planeta.
(Londres, brpress) – Mantendo uma tradição ininterrupta de 245 anos, a Royal Academy of Arts abre, nesta segunda-feira (09/06) mais uma vez os seus salões para a Summer Exhibition. Uma das exposições mais importantes do calendário de artes de Londres, a mostra marca o início do verão inglês desde 1769. Nem mesmo as duas guerras mundiais afetaram sua continuidade. A Summer Exhibition é considerada a maior exposição de arte contemporânea do mundo com processo de seleção aberto ao público. Isso significa que qualquer pessoa pode se inscrever. E também que é possível ver obras de artistas consagrados lado a lado com desconhecidos.
A brpress foi conferir um preview da mostra, em 04/06, que vai até 17 de agosto. A maioria das obras está à venda e os preços variam tanto quanto à variadade artística exibida. É possível pagar de R$ 200 por um quadro a alguns milhões por uma instalação. Portanto, a Summer Exhibition é parada obrigatória para colecionadores ou quem está despretenciosamente de passagem pela capital britânica.
Humor e ironia
Para a edição de 2014, a academia recebeu a inscrição de 12 mil trabalhos artísticos em diferentes formatos: pintura, gravura, fotografia, escultura, arquitetura e filme. Desse total, foram selecionados mais de 1.200 obras. O resultado é uma diversidade impressiionante, “além de uma boa dose de humor e ironia”, afirma Hughie O’Donoghue, 60 anos, coordenador da exposição.
A novidade deste ano é que os artistas enviaram imagens digitais de suas obras para a primeira fase de seleção.“Talvez o formato digital não tenha feito justiça a alguns trabalhos maiores, e obras importantes podem ter ficado de fora, mas espero que não”, diz O’Donoghue. Segundo ele, o trabalho de seleção foi extremamente exaustivo, mas bastante gratificante.
Pintura ressuscitada
Para O’Donoghue, a principal característica da Summer Exhibition deste ano é a abundância de criatividade. “Não há uma linha comum ou um estilo único, mas sim uma grande multiplicidade de expressões”, avalia. Ele ressalta que a pintura – normalmente negligenciada e vista como uma forma de arte eternamente agonizante – ressuscita com força este ano.
Por ser pintor, O’Donoghue fez questão de se empenhar na montagem do Salão III, The American Associates Gallery, a maior das 14 salas de exposição da Academia, dedicada somente à pintura. Segundo ele, o objetivo ali foi ressaltar a pintura em sua forma mais elementar, mais primitiva.
“Procurei destacar a cor, a forma e o material”, explicou. O primeiro quadro a ser pendurado, e que ajuda a compor o eixo central do salão, foi Kranke Kunst (“Arte Doente”), do artista alemão Anselm Kiefer, 69 anos, membro honorário da Royal Academy of Arts. A grande tela, que não está à venda, faz referência aos campos de papoula do norte da França, palco de batalhas da Primeira Guerra Mundial – cujo centenário se completa em 4 de agosto próximo.
Sem título nem autor
Segundo O’Donoghue, a Summer Exhibition é uma exposição única. “O foco está na arte e não no artista”, enfatiza. Assim, é possível ter obras de amadores “competindo” com famosos por atenção. Essa disrupção com a maneira tradicional de exibir arte torna a Summer Exhibition um território democrático e surpreendente.
Para evitar constrangimentos entre os expositores e atrair o olhar do visitante para as obras em si,os trabalhos não apresentam título nem o nome do artista. A identificação é feita apenas por um número, que consta no catálogo da exposição. Quem quiser saber o autor que recorra ao catálogo, distribuído gratuitamente.
À venda
Na sala Small Weston Room, por exemplo, o pequeno quadro I Can’t Sleep (“Não Consigo Dormir”), da controversa artista inglesa Tracey Emin, aparece discretamente abaixo da pintura em acrílico e lápis intitulada Grandfather (“Avô”), de Susanna Negus.
A grande diferença, além do quesito celebridade, está no preço. A obra de Emin custa 66 mil libras (R$ 250 mil). O quadro de Negus está avaliado em 210 libras (R$ 760). Os recursos arrecadados pela Summer Exhibition, incluindo a comissão pela venda das obras de arte, são utilizados para financiar os cursos gratuitos das escolas da Royal Academy.
Indagado se a exposição seria uma boa plataforma para se investir em novos talentos, O’Donoghue preferiu não comentar. Para ele, o que deveria determinar a compra de um quadro ou escultura é o impacto emocional que a obra provoca, e não o valor de mercado que ela possa vir a ter um dia. “É preciso preservar a integridade da arte”, defende.
Renovação
No ano passado, a Royal Academy elegeu um número recorde de 15 novos acadêmicos e membros honorários. Para celebrar essa renovação, o Central Hall, logo na entrada, foi dedicado ao trabalho desses artistas, que incluem Thomas Heatherwick, Neil Jeffries, Chantal Joffe, Tim Shaw, Conrad Shawcross, Wolfgang Tillmans e Bob and Roberta Smith (pseudônimo do artista Patrick Brill).
A peça central do hall é Cake Man II (“Homem-bolo”), do inglês de origem africana Yinka Shonibare, 51 anos. Trata-se de um manequim em tamanho real, inclinado para frente e equilibrando nas costas uma pilha de bolos.
A cabeça do “homem-bolo” é um globo decorado com gráficos do mercado de ações. A obra faz alusão à exploração do trabalho e sugere que chegaremos a um ponto em que o modelo financeiro atual não será mais sustentável.
‘Jardim selvagem’
A exposição conta ainda com espaços dedicados à escultura, gravura e arquitetura, e até uma sala, sob a curadoria da escultura Cornelia Parker, 57 anos, onde todas as obras são em preto e branco. “A Summer Exhibition é isso: um jardim selvagem”, descreve O’Donoghue. “Ela não entrega tudo de bandeja. Cabe ao visitante fazer a sua parte e tirar suas próprias conclusões”.
Prêmios
As obras expostas na Summer Exhibition concorrem a diversos prêmios, no total de mais de 60 mil libras (R$ 228 mil). Entre eles, o Charles Wollaston Award, um dos maiores e mais prestigiados do Reino Unido, no valor de 25 mil libras (R$ 95 mil).
(Geraldo Cantarino*/Especial para brpress)
(*) Geraldo Cantarino é jornalista, formado pela Universidade Federal Fluminense e com Mestrado em Documentário para Televisão pelo Goldsmiths College, Universidade de Londres, onde mora. É autor de quatro livros publicados pela Mauad Editora.
SERVIÇO – Summer Exhibition 2014
Royal Aacdemy of Arts – Burlington House, Piccadilly, London, W1J 0BD; +44 (0)20 7300 8000 and www.royalacademy.org.uk
Visitação: segunda a quinta, sábados e domingos, das 10h às 18h (entrada permitida até 17h30); sextas até 22h (entrada permitida até 21h30).
Ingressos: R$ 50,00 (£13.50, (adultos) e grátis para até 16 anos e membros da Royal Academy oof Arts. Vendas pelo site www.royalacademy.org.uk; reservas para grupos (mais de 10 pessoas) pelo telefone +44 (0)20 7300 8027 ou email [email protected]