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Veículo blindado da PM do Rio na favela do JacarezinhoVeículo blindado da PM do Rio na favela do Jacarezinho

Polícia mata 8 mil em 10 anos

(Rio de Janeiro, brpress) - Policiais ouvidos no relatório O Bom Policial Tem Medo, lançado pela Human Rights Watch, culpam “cultura de combate”, corrupção e péssimas condições de trabalho. Por Juliana Resende.

(Rio de Janeiro,  brpress) – A polícia militar do Rio de Janeiro matou mais de 8 mil pessoas (casos reportados à justiça), desde 2006. São,  em média, 800 pessoas por ano – números altos, comparados a ferimentos não letais de civis e policiais decorrentes de ações em favelas cariocas. Os números equivalem a pouco menos de 10% dos cerca de 100 mil civis mortos na guerra do Iraque, de 2003 a 2010, segundo a ONG Iraq Body Count. E constam do relatório O Bom Policial Tem Medo’: Os Custos da Violência Policial no Rio de Janeiro, lançado nesta quinta (07/07), pela ONG Human Rights Watch.

O relatório documenta como o uso ilegal da força letal por policiais tem contribuído para o desmantelamento dos esforços do poder público do estado para melhorar a segurança pública e é mais um tiro de misericórdia na imagem da cidade-sede dos Jogos Olímpicos 2016. “O estado do Rio de Janeiro prometeu avanços na segurança pública na preparação para as Olimpíadas, mas não fez o suficiente para resolver o problema das execuções extrajudiciais cometidas pela policia – um obstáculo central para um policiamento mais efetivo”, conclui a Human Rights Watch.

UPPs falharam

Apesar de entender que a polícia militar sofre com as altas taxas de criminalidade no estado, tendo de enfrentar gangs de traficantes de drogas fortemente armadas, entrincheiradas em comunidades carentes e superpopulosas, geralmente em terrenos com topografia de difícil acesso (morros), o relatório é categórico ao afirmar que pouco foi efetivamente realizado para diminuir e coibir práticas abusivas da polícia  e que as Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs), que mostraram-se uma possível solução quando implementadas, em 2008, já não funcionam mais.

Apesar do número oficial de homicídios cometidos pela polícia, que alcançou mais de 1.300 em 2007, ter caído para cerca de 400 em 2013, o número voltou a crescer desde então, chegando a 645 em 2015 e 322 de janeiro a maio de 2016, de acordo com os últimos dados disponíveis. Matar ou morrer – frequentemente este é o dilema dos policiais militares do Rio de Janeiro. Com altíssimo nível de estresse e saúde mental em constante ameaça, há somente 70 psicólogos para os 48 mil membros da corporação – uma média de um para cada 686 policiais. Não há nenhum psiquiatra.

“Cultura de combate’

A cada policial morto em ações definidas como confrontos – um dos termos utilizados pela “cultura de combate” da PM, apontada por policiais entrevistados pela HRW no relatório –  uma média de 24 civis são executados. Trata-se do dobro das mortes na África do Sul, país muito comparado com o Brasil em termos de (in)segurança pública, e o triplo em comparação com os EUA, país desenvolvido com os maiores índices de violência policial do mundo. 

Segundo a HRW, apesar das condições adversas de trabalho da polícia militar, o grande impedidor da melhora nos padrões de conduta dos policiais é a impunidade. Dos 64 casos de execuções de civis analisados pela HRW no relatório de 117 páginas, somente oito foram levados a julgamento – com apenas quatro tendo policiais apontados como culpados. “Em 52 dos 64 casos, não houve sequer investigação apropriada das cenas dos crimes – tarefa da polícia civil, que não vem sendo cumprida a contento”, diz a HRW. O relatório conclui que muitas das 645 pessoas mortas pela polícia em 2015 foram, provavelmente, resultado do uso legítimo da força – mas muitas outras foram execuções extrajudiciais. 

Solução temporária

“O Rio enfrenta um problema sério de criminalidade violenta, mas executar suspeitos não é a solução”, disse Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch no Brasil. “Essas execuções colocam as comunidades contra a polícia e comprometem a segurança de todos”. A cidade de São Gonçalo – a mais violenta do estado do Rio – já provou que promover a responsabilização criminal de policias que cometem execuções extrajudiciais no Rio de Janeiro é possível.

Entre 2008 e 2011, quando uma juíza, um promotor de justiça e policiais civis uniram esforços para lidar com a violência policial, 107 policiais militares – cerca de 15 por cento da tropa do batalhão da polícia militar em São Gonçalo na época – foram denunciados, julgados e considerados culpados. O número de homicídios cometidos pela polícia caiu 70% por cento em três anos e o número de roubos e homicídios em geral também caiu em São Gonçalo. 

O progresso foi interrompido com o homicídio da juíza por policiais que eram investigados. Com a impunidade de volta a São Gonçalo, o número de homicídios cometidos pela polícia voltou a subir e agora é mais alto do que em 2008. Recentemente, as autoridades fluminenses criaram o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (GAESP) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ). Contudo, medidas adicionais são necessárias para fortalecer o grupo e para assegurar investigações adequadas e a responsabilização nesses casos, concluiu o relatório.

“Tropa de Elite”

A Human Rights Watch entrevistou mais de 30 policiais do Rio, incluindo vários que descreveram suas próprias experiências com o uso da força letal, inclusive dois que admitiram direta participação em execuções. Outros admitiram usar de torturas e recebimento de subornos de traficantes como práticas frequentes em seu trabalho. Os policiais disseram que não denunciariam os crimes de seus colegas e muito menos superiores, por medo de também serem mortos e de consequências que suas famílias possam sofrer. 

O HRW menciona real necessidade na mudança do Código Disciplinar da Polícia do Rio de Janeiro, no sentido de proteger o policial que se recusa a obedecer ordens de conduta ilegal dada por seu superior e que denuncie esse superior ao Ministério Público – a quem cabe propor a mudanças no código disciplinar. Policiais envolvidos em execuções extrajudiciais procuram encobrir seu comportamento criminoso intimidando testemunhas, plantando armas ou drogas nas vítimas, removendo seus corpos do local do crime e até levando-os ao hospital, com a justificativa de que tentaram “socorrê-las”. 

Crianças e adolescentes

Os 64 casos nos quais a Human Rights Watch encontrou fortes evidências de acobertamento incluem 35 casos originalmente documentados no relatório Força Letal, de 2009, e 29 casos documentados desde então, incluindo 12 que ocorreram nos últimos dois anos. Nesses 64 casos, 116 pessoas perderam suas vidas – incluindo ao menos 24 crianças e adolescentes (veja vídeo abaixo). Outro questionamento da HRW é fato do projeto de lei 4471/2012, que trata de procedimento de perícia, exame de corpo delito, necropsia e da instauração de inquérito nos casos em que o emprego da força policial resultar morte ou lesão corporal, ainda não ter sido aprovado pelo Congresso Nacional (o último despacho data de 06/07/2016).

“Ao não investigarem adequadamente as execuções extrajudiciais, as autoridades não apenas negam justiça aos familiares das vítimas, como também fazem um grande desfavor à força policial do Rio”, disse Canineu. “Enquanto persistir a impunidade, alguns policiais continuarão cometendo execuções extrajudiciais, tornando o trabalho de policiamento no Rio mais difícil e perigoso para os demais”, completa.

A responsabilidade de acabar com a impunidade policial, nesses casos é, em última instância, do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro, que tem competência constitucional para realizar o controle externo da atividade policial, fiscalizando o trabalho da polícia civil, bem como conduzindo suas próprias investigações, disse a Human Rights Watch. “Não dá para esperar que policiais honestos tenham bom desempenho quando eles vivem em constante temor, não só com relação a membros de facções criminosas, como também dos próprios colegas policiais”, adverte a diretora da HRW no Brasil.

(Juliana Resende, autora do livro reportagem Operação Rio – Relatos de uma Guerra Brasileira, à venda na Amazon.com

Mais informações sobre o relatório O Bom Policial Tem Medo: Os Custos da Violência Policial no Rio de Janeiro, da Human Rights Watch, aqui

Juliana Resende

Jornalista, sócia e CCO da brpress, Juliana Resende assina conteúdos para veículos no Brasil e exterior, e atua como produtora. É autora do livro-reportagem Operação Rio – Relatos de Uma Guerra Brasileira e coprodutora do documentário Agora Eu Quero Gritar.

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