Acesse nosso conteúdo

Populate the side area with widgets, images, and more. Easily add social icons linking to your social media pages and make sure that they are always just one click away.

@2016 brpress, Todos os direitos reservados.

Detalhe do Cityside, em Londonderry, Capital Cultural do Reino Unido 2013. Juliana Resende/brpressDetalhe do Cityside, em Londonderry, Capital Cultural do Reino Unido 2013. Juliana Resende/brpress

Cuspiram na Tocha, mas ela segue acesa

Na Irlanda do Norte a Tocha Olímpica foi recebida com protestos em Londonderry, Capital Cultural do Reino Unido em 2013.

(brpress) – Na Irlanda do Norte a Tocha Olímpica foi recebida com protestos em Londonderry, a segunda maior cidade da província britânica. É que Derry – assim mesmo, sem o “London” – como é chamada pelos republicanos e aqueles que defendem a saída dos britânicos da Irlanda e a unificação da ilha, tem tradição quando o assunto é protesto. Essa é a marca registrada da Capital Cultural do Reino Unido em 2013.

    Derry ou Londonderry (dependendo de seu background cultural, religioso, étnico e, principalmente, político) foi o berço dos chamados Troubles, a guerra civil mais pedra-no-sapato do Império Britânico por ser dentro de casa, cujas raízes estão nas diferenças seculares entre os britânicos e irlandeses e na permanência da anexação de parte da Irlanda pelo Reino Unido, a Irlanda do Norte.

IRA e Domingo Sangrento

    Já que estamos falando em termos republicanos, Derry foi , e há quem diga que ainda é,  berço do IRA (Irish Republican Army ou Exército Republicano Irlandês) que, entre os anos 70 e 80, tomou a forma terrorista pela qual virou lenda e conquistou corações e mentes da esquerda quando o mundo era polarizado pela Guerra Fria. Trocou as armas pelas urnas, oficialmente, em 2005.

    A cidade foi ainda palco do Domingo Sangrento – aquele mesmo cantado na música do U2, Sunday Bloody Sunday – quando, em 30 de janeiro de 1972, o Exército Britânico abriu fogo mantando 26 civis que estavam num protesto pelos direitos dos católicos. Este evento,  investigado até recentemente numa espécie de CPI aberta pelo governo britânico, azedou, de lá para cá, a relação entre republicanos e os unionistas (que defendem continuidade da Irlanda do Norte como parte do Reino Unido).

    Exemplo? As placas com o nome da cidade nas estradas têm o prefixo “London” riscado sem trégua pelos ativistas republicanos. Nas zonas unionistas, a bandeira do Reino Unido é mais hasteada que no Palácio de Buckingham e as cores da ‘union jack’ são pintadas na calçadas.

Nas zonas republicanas não raro se vê um mural com algum mártir, como Bobby Sands, republicano que morreu em greve de fome na cadeia (tema do filme Hunger, de Steve McQuinn). Cada território é demarcado com ícones próprios, de um passado não muito longínquo e cujas feridas, embora secas, ainda insistem em “soltar as casquinhas” e, de vem em quando, o caldo entorna na cidade murada  – uma das mais antigas da Europa.

Intensa

    A escolha de Derry como Capital Cultural do Reino Unido em 2013 pode soar irônica, como “abdução” e até como provocação, Mas o fato é que se trata de uma cidade pulsante apesar da divisão, algumas vezes intransponível, entre a parte católica (Cityside) e protestante (Waterside) pela Peace Bridge que liga as margens do Rio Foyle. E intensa, culturalmente falando.

A cidade abriga festivais de música, cinema e dança, exposições, vários eventos multicomunitários  e tem uma noite agitada por ótimos, ainda que “sectários”, pubs – clima que os estudantes estrangeiros se encarregam de amenizar. Sem falar num dos melhores, mais animados e divertidos Halloweens do mundo (turistas norte-americanos adoram curtir a festa lá).

    A intransigência, tanto de um lado quando do outro da moeda com o busto da Rainha Elizabeth que os locais teimam em manter acesa, especialmente entre as gerações que viveram os Troubles na pele, pode assustar o forasteiro.

Mas é justamente esse contínuo clash (ainda que pacífico na maior parte do tempo) entre ambas as facções de sua população que produz essa ebulição única – arcaica, sim, ou mesmo até “patética”, como definiu um dos políticos que condenaram o protesto dos republicanos contra a presença da tocha na cidade, o deputado (‘MP’) Gregory Campbell, do Partido Democrático Unionista  (DUP). Mas sem dúvida, ímpar.

In loco

    Morei por seis meses em Derry. É assim que chamo, carinhosamente, a cidade, com simpatia pela causa republicana, mas com medo do fanatismo sem limites de gente que ainda acredita na violência como moeda política. O Cityside abriga o Maggee College, da Universidade de Uslter, onde fiz pós em Conflitos e Processos de Paz, de 2006 a 2009. Lá fiz também amigos para a vida toda, com o privilégio de ser estrangeira e geralmente poupada das rusgas e desafetos entre católicos e protestantes, sempre dando uma boiada para nem discutir política com um copo na mão.

    Emocionei-me com cada mural colorido que faz brotar história das paredes úmidas dos ‘terraces’ de tijolos aparentes, não deixando dúvidas de que a última fronteira a noroeste dos domínios da Rainha, a “joia da Coroa”, foi e continua sendo um reduto do proletariado que abasteceu com suor e carvão as engrenagens da Revolução Industrial. Hoje, esse povo guerreiro, cuja origem também se divide entre os celtas e “uslter scots”, luta mesmo é contra a crise que achata o “welfare” europeu. Estão todos no mesmo barco, com ou sem a tocha. Com ou sem IRA.

    Aprendi a amar seja Derry seja Londonderry – e a entender esse fascinante, pequeno e tinhoso barril de pólvora. Aprendi também a temer a propenção para a violência ao sinal de qualquer faísca. Pouco pode virar combustível para coqueteis molotovs – as adoradas “petrol bombs” em que os radicais de LD são doutorados, colocando os “rioters” amadores de Londres no chinelo. Que London fique sem eles em 2012. Que venham as Olimpíadas porque 2013 é de Londonderry. Um brinde ao espírito do fair play: slainté! 

(Juliana Resende, brpress)

#brpressvonteudo #Londonderry #OlimpiadadeLondres #London20212

Juliana Resende

Jornalista, sócia e CCO da brpress, Juliana Resende assina conteúdos para veículos no Brasil e exterior, e atua como produtora. É autora do livro-reportagem Operação Rio – Relatos de Uma Guerra Brasileira e coprodutora do documentário Agora Eu Quero Gritar.

Cadastre-se para comentar e ganhe 6 dias de acesso grátis!
CADASTRAR
Translate