Acesse nosso conteúdo

Populate the side area with widgets, images, and more. Easily add social icons linking to your social media pages and make sure that they are always just one click away.

@2016 brpress, Todos os direitos reservados.

Sentimento de culpa

(Rio de Janeiro, brpress) - Não choveu na minha virada do ano num barco, mas, olhando os jornais e vendo noticiário na televisão, nesses últimos tempos, não há quem não se sinta, no mínimo, culpado, por não estar envolvido numa tragédia. Por Paulo Betti.

Paulo Betti*/Especial para brpress

(Rio de Janeiro, brpress) – Amigos,

Passei a virada do ano numa embarcação em Copacabana. Os preparativos foram feitos por uma querida amiga, que fez a coleta do dinheiro para pagar o passeio, preparou uma ceia em seu apartamento na Urca, pertinho de onde saímos às 22 horas. Éramos trinta pessoas. O mar estava um pouco agitado, mas nada demais.

Aliás, vale a pena uns parênteses para falar da Urca. É o único lugar do Brasil onde a população tem a certeza de ser especial, pois convive com a presença de um rei. A Urca é o única monarquia encravada no Brasil.

Todas as pessoas do local com quem falei me mostraram o apartamento do rei. O estúdio do rei. A igreja onde o rei reza. Um casal que encontrei na calçada me disse extasiado que o rei havia acabado de passar por ali. O rei é onipresente na paisagem da Urca. Eles se orgulham disso. Faz bem para a auto-estima. Viva o monarca Roberto Carlos!

Voltando às águas nem tão plácidas do 31 de dezembro, na enseada da Urca. Sou traumatizado com barco na virada do ano, pois perdi minha amiga, a atriz Yara Amaral, no nefasto naufrágio do Bateau Mouche. Mas criei coragem e topei assim mesmo. A animação de minhas filhas me convenceu.

Durante a semana, acompanhei as apreensões dos organizadores com relação ao tempo. Chovia sem parar. No dia da virada, na televisão, a previsão era de 90% de chance de chover. Cogitou-se de cancelar o passeio de barco. Mas, a confiança da organizadora manteve a programação e tudo deu certo.

Bacanas e enchentes

Na tarde do dia 31, o céu começou a limpar, parecia que a chuva estava sendo arrastada para outro lugar. Foi muito legal nossa passagem de ano. Vimos os fogos por trás do ângulo onde as 2 milhões de pessoas que estavam na praia de Copacabana viram. Coisa de bacana! Se bem que nosso barquinho, bem primitivo, parecia uma pequena caravela no meio dos transatlânticos de cinema e lanchas moderníssimas.

No outro dia, fiquei sabendo pra onde havia sido arrastada aquela chuva: Angra dos Reis. Onde causou uma tragédia tremenda com os deslizamentos de terra. Nossa passagem de ano foi um sucesso, mas e a tragédia de Angra?

Olhando os jornais e vendo noticiário na televisão, nesses últimos tempos, não há quem não se sinta, no mínimo, culpado, por não estar envolvido numa tragédia. A primeira sensação que temos é de alívio. Ainda bem que não aconteceu comigo, nem com nenhum dos meus familiares.

Mas, imediatamente, começamos a ver o drama das pessoas que perderam parentes, casas, vidas. E aí não dá pra não sofrer junto. E vem a culpa de não estarmos fazendo nada, e de ainda estarmos aliviados por não ter acontecido conosco.

Vejo que aconteceram enchentes em Capivari (SP), onde nasci. Leio que São Luis de Paraitinga (SP) foi completamente destruída pelas águas. Pessoas sendo arrastadas pelos rios… Sinto-me destroçado pela culpa, por não fazer nada.

Pago meus impostos em dia. Não jogo lixo na rua. Faço reciclagem de lixo. Economizo água ao tomar banho e escovar os dentes. Procuro votar conscientemente nas eleições. Dirijo com prudência. Mas sinto uma culpa enorme por todas as tragédias que vem se abatendo sobre nós.

O clima está mudando? Foi sempre assim, mas não sabíamos? Excesso de informação? Os progressos na medicina, as expectativas de vida melhor, as boas notícias econômicas… Nada disso é suficiente para abrandar a tremenda culpa que sinto quando vejo as pessoas chorando e lamentando a perda de seus entes queridos.

Sinto culpa por ficar frio. Por estar me acostumando.

(*) Paulo Betti é ator e diretor. Fale com ele pelo e-mail [email protected] .

Paulo Betti

Paulo BettiPaulo Betti é ator e direitor e sua coluna foi publicada pela brpress.

Cadastre-se para comentar e ganhe 6 dias de acesso grátis!
CADASTRAR
Translate