Acesse nosso conteúdo

Populate the side area with widgets, images, and more. Easily add social icons linking to your social media pages and make sure that they are always just one click away.

@2016 brpress, Todos os direitos reservados.

Voto contra o governo

(Genebra, brpress) - Suíços sempre votaram em favor dos seus banqueiros, mas surpreenderam ao rejeitar financiá-los com suas aposentadorias em referendo. Por Rui Martins.

(Genebra, brpress) – Num surpreendente referendo, os suíços rejeitaram a proposta governamental que lhes faria pagar a conta da crise com suas aposentadorias. Num país como a Inglaterra, França ou Alemanha, isso derrubaria o governo. Mas na Suíça os ministros são vitalícios e só saem por velhice ou doença.

Domingo, 7 de março 2010, tem tudo para se transformar em data histórica suíça, por ter sido o dia do não. Imagine um povo pacato, tranquilo (um pouco em excesso), capaz de suportar todos os abusos e perguntar, humildemente, o que virá a seguir. Mas eis que, de repente, cansados de serem carneiros e de tanto balido, os suíços deram um berro que ainda está ecoando aqui pelas montanhas.

Exemplo para Europa

Qual foi a gota d’água que poderá transformar tantos carneiros bons para a tosquia em exemplos de rebeldia para a Europa? Ora, os banqueiros, os seguradores, os políticos, obrigados a cortar em algum lugar, exigência da crise, decidiram cortar num lugar que não iria atrapalhar nenhuma empresa, nenhum trader, nenhum empresário: na aposentadoria dos suíços.

Afinal, pensaram os donos dos bancos e das seguradoras e seus fiéis vassalos, além da quase totalidade dos políticos (tem exceção, vem a seguir, se é para cortar vamos cortar nesse rebanho de carneiros que nunca estrila. Sempre tiveram salários melhores que os outros europeus, nunca entraram nessas histórias de greve, sempre votaram mais para a direita, mesmo se Lenin e Bakunin com eles conviveram. Era chegada a hora de precisarem dar uma apertada no cinto do futuro e assim amortizar os efeitos da crise nos cofres públicos.

Aposentadorias distintas

Os suíços têm dois tipos de aposentadoria. Uma de base calculada segundo seus salários e recolhimentos durante a vida ativa, é praticamente similar ao esquema brasileiro. Porém, existe outra aposentadoria obrigatória chamada de “segundo pilar”, para a qual contribuem também o empregado e o empregador, ficando a gestão do capital gerado ou com a própria empresa ou com grandes seguradoras.

Ao chegar aos 65 anos, o aposentado tem direito a duas rendas, o que lhe garante em geral uma velhice digna. Entretanto, ocorre que muito do dinheiro do segundo pilar foi queimado nas loucuras dos investimentos rendosos, que acabaram estourando como balão de ar. E muitas seguradoras, ao assumirem o encargo de administrar os fundos de pensões de pequenas e médias empresas, cobram honorários excessivos.

Riqueza degelando

Mas como a Suíça era um país rico, como vaca de úberes enormes jorrando leite adocicado dos Alpes, todo mundo queria mamar. Porém, o fluxo da riqueza mudou de direção, graças à incapacidade dos gerentes suíços diante de tanta riqueza. Em lugar dos pipelines levarem para Zurique, Genebra ou Lugano a evasão fiscal dos países vizinhos, as comissões em concorrências públicas e os roubos de ditadores e governantes corruptos, agora a riqueza acumulada durante tantos anos na Suíça está descendo os Alpes para se esconder em outros lugares.

Acabou aquela confiança cega nos banqueiros suíços, depois do banco UBS ter entregue ao fisco americano os nomes dos milionários, que seus gerentes tinham ensinado a fraudar o tesouro americano. Acabou também a confiança no segredo suíço, depois de hackers terem vendido CDs com nomes de milhares de clientes para o fisco alemão e francês.

Como chegou a hora do sacrifício, matem-se os carneiros, imaginaram os donos do país que colonizam sua Câmara, seu Senado, distribuindo polpudos mensalões legais aos deputados e senadores. Os suíços tinham fama de votarem ao contrário dos franceses – bastava os seus mestres mandarem que eles votavam.
    Outros

Assim, votaram pelo aumento da idade da aposentadoria das mulheres, em nome da igualdade de sexos; votaram a favor de uma taxa de 10 centavos no preço do combustível, isso há mais de dez anos, antes de Al Gore, em nome da ecologia; votaram contra a diminuição das horas de trabalho, contra a preguiça e a vagabundagem; votaram contra o seguro-doença (que é de iniciativa privada) calculado sobre o salário, permitindo que um milionário pague o mesmo que um assalariado, sem se contar na espiral crescente dos preços desses seguros. E daí para a frente, sempre a favor dos seus patrões, dos seus bancos, das seguradoras, dos políticos e nunca em seu próprio favor.

Mas, neste domingo, caiu a gota que transbordou. E o povo disse Não à uma redução gradativa no cálculo do total de seus recolhimentos para o segundo pilar da aposentadoria. Só os socialistas com os verdes de esquerda foram contra a anunciada espoliação, pintada como esforço nacional para reequilibrar as finanças.

E o resultado foi estarrecedor: 73% dos suíços disseram Não, o que é raro em todos os 26 cantões. Foi a união nacional contra a tentativa de se enfiar a mão no bolso do povo. O governo suíço foi fragorosamente derrotado, seus banqueiros e seus donos da política tomaram uma solene bofetada, que poderá servir para toda a Europa e mesmo para os EUA, onde Obama cedeu aos financistas e ao grande capital na hora de enfrentar a crise.

(Rui Martins/Especial para brpress)

Cadastre-se para comentar e ganhe 6 dias de acesso grátis!
CADASTRAR
Translate