Kadafi na lona?
(Londres, brpress) - Otan não tentou acordo com debilitada ditadura que foi sua tradicional aliada, mas foi força motriz que armou e financiou seu desmoronamento. Por Isaac Bigio.
Isaac Bigio*/Especial para brpress
(Londres, brpress) – Os aliados da Otan capturaram vários lugares estratégicos da capital líbia, bem como o “príncipe” de Kadafi, seu filho Saif Al-Islam. Enquanto Obama e Cameron afirmam que já se iniciou o desmoronamento de Kadafi, ele se mantém desafiante e o governo nacional transitório permanece em Bengazi, esperando melhores condições para transferir-se para Trípoli.
A atual situação líbia contrasta tanto com os dois países que a circundam (Tunísia e Egito, onde suas ditaduras caíram após massivos levantamentos populares) como com as duas últimas repúblicas muçulmanas que os EUA e seus aliados bombardearam até depor seus regimes (Afeganistão, em 2001, e Iraque, em 2003).
Diferentemente dos levantamentos massivos espontâneos e relativamente pacíficos que derrubaram os ditadores da Tunísia e do Egito, na Líbia (país que está no meio de ambas nações árabes do nordeste africano), a Otan não tentou chegar a um acordo com a debilitada ditadura que foi sua tradicional aliada, mas foi a força motriz que armou e financiou o levantamento. E Kadafi foi capaz de manter apoio em vários setores populares e militares.
Bastidores
Ao contrário de Kabul e Bagdá, onde os EUA e seus aliados derrubaram seus governos mediante tropas de ocupação que as seguem controlando, na Líbia a Otan tomou o cuidado de não aparecer como “ocupante” ou de haver enviado suas tropas. Sua estratégia baseia-se em dominar o espaço aéreo, de onde vem bombardeando os que apóiam Kadafi (tratando, inclusive, de produzir um genocídio), e de enviar armas, dinheiro e treinamento pra desenvolver uma força armada local, que possa utilizar como seu “peão”.
Um dia antes do rápido avanço deste último domingo (21/08), a Stratfor, principal agência de análise política global e militar dos EUA, admitia ser muito difícil uma queda rápida do regime devido ao fato de que as tropas “rebeldes” que avançavam sobre Trípoli eram poucas, muito inexperientes e desconectadas do eixo do território que controlam na parte oriental do país. Além do mais, careciam de treinamento para travar uma prolongada luta na capital, contra os pró-Kadafi.
Inferno
Já as tropas de Kadafi estão bem armadas e treinadas, e sua resistência, em Trípoli, pode transformar a capital em um inferno, tal como alertou Kadafi em um de seus últimos pronunciamentos pelo rádio.
Uma cartada importante que devem estar jogando os aliados é a de querer provocar uma sublevação civil anti-Kadafi, na capital. Isto dividiria a resistência do governo, criando deserções e provocando o colapso do regime.
Propaganda
Daí que agora o objetivo das potências ocidentais não seja tanto o de derrotar Kadafi, por meio de bombardeios militares, mas mediante bombardeios de notícias que tendam a desmoralizar seus seguidores e a produzir um levantamento espontâneo na capital.
Na tarde desta segunda-feira (22/09), a rádio estatal que transmitia os discursos, segundo agências internacionais e a Globo News, parecia ter caído em poder dos rebeldes, bem como o aeroporto internacional de Trípoli.
Portanto, é explicável porque os ex-ministros de Kadafi, que lideram o governo paralelo em Bengazi, pedem tanto aos insurgentes, em Trípoli, que não se “vinguem”: é para evitar que estes se exaltem e lhes peçam para prestar contas de sua anterior e extensa participação no regime.
(*) Isaac Bigio vive em Londres e é pós-graduado em História e PolíticaEconômica, Ensino Político e Administração Pública na América Latinapela London School of Economics. É um dos analistas políticoslatino-americanos mais publicados do mundo. Tradução de AngélicaCampos/brpress. Fale com ele pelo [email protected] ou pelo Twitter @brpress.