Acesse nosso conteúdo

Populate the side area with widgets, images, and more. Easily add social icons linking to your social media pages and make sure that they are always just one click away.

@2016 brpress, Todos os direitos reservados.

Centro de NairóbiCentro de Nairóbi

Armas, política e terrorismo: o que eleições e ataques têm em comum

(brpress) - Editora da brpress esteve em Nairóbi antes das temidas eleições de 2013, e comenta sobre temores de novos ataques terroristas, bem como de violência eleitoral. Por Juliana Resende.

(brpress) – Os ataques do grupo terrorista muçulmano somali Al-Shabbab que deixaram dezenas de pessoas feridas e 70 mortos no shopping Westgate, na capital do Quênia, Nairóbi, na noite de 21/09/2013, deixaram um rastro de sangue, indignação e suspeitas de conexões escusas entre os chefões da política queniana e a organização terrorista Al-Shabbab, que atua na região. Foi a pior ação terrorista no país desde o ataque da embaixada dos EUA em 1990, que trouxe a Al-Qaeda à luz. Mas a violência política doméstica também aterroriza os quenianos, especialmente em véspera de eleições., como a que acontece em 08/08/2017. 

    Estive no Quênia há cinco anos, a convite do International Reporting Project (IRP), ONG americana que fomenta o jornalismo independente, e fui mais de uma vez ao shoppping Westgate – o mais chique da cidade, encravado em área nobre, uma das únicas além do centro que parece não estar em obras e cobertas pela poeira que o desorganizado quebra-quebra levanta, inclemente.

Lugar de estrangeiros

       É no shopping Westgate onde fica o ArtCaffé, bar-restaurante que é point de estrangeiros que residem e visitam Nairóbi. A comida e o serviço são bons, com padrões de atendimento e higiene internacionais. O lugar é agradável e tem mesas do lado de fora do shopping – onde almoçamos, eu e colegas jornalistas de outros países e do Quênia. Os colegas locais nunca mencionaram perigo no Westgate, mas era frequente mencionarem os horrores da onda de violência eleitoral que matou mais de 10 mil pessoas em 2007, data das antepenúltimas eleições.

    A Al-Shabbab assumiu o ataque ao shopping – mas nenhum candidato à presidência assumiu responsabilidade na incitação, direta ou indireta, da violência durante as eleições de 2007. A Al-Shabbab declarou que o ataque era “apenas uma amostra do que os somalis vêm enfrentando com a ocupação de seu território pelo exército do Quênia e que agora iria trazer a guerra ao território queniano”.

Mercado de armas

É atribuída à organização terrorista grande parte do tráfico e contrabando de armas pesadas e outras, cuja entrada no Quênia se dá via Mombaça, a segunda maior cidade do país (litorânea) onde membros da Al-Shabbab vivem praticando crimes e intimidações, sem maiores consequências. Alí é também um entreposto e centro de recrutamento do crime organizado marítimo, conhecido genericamente como “piratas da Somália”, especializado em sequestro e roubo de cargas. 

    Alguns militantes da Al-Shabbab também atuam em guetos de Nairóbi, operando em contato com grupos criminosos. No bairro de East-Lee, é sabido que existe um “mercado de armas” clandestino, que levantava grande preocupação, segundo jornalistas locais, de estar armando facções dos candidatos opositores à presidência do Quênia, temendo um banho de sangue nas eleições de 2013 pior do que ocorreu no ataque terrorista e com consequências ainda mais traumáticas. 

Tocando o terror

Por isso, Nairóbi não arrisca prever o que pode acontecer nas eleições presidenciais de 08/08/2017, na qual concorrem os mesmos candidatos: o atual presidente Uhuru Kenyatta e o opositor Raila Odinga. Eles são acusados de manipular etnias e tribos diferentes para brigarem em seu favor. Não raras, apoidoadores se transformam em milícias aparelhadas com machados e armas de fogo. 

“Caso seu candidato ganhe, não esfregue isso na cara de outras pessoas; se seu candidato perder, sofra estoicamente pelo bem-estar geral do Quênia”, declarou a diretora da Comissão Nacional Queniana pelos Direitos Humanos (KNCHR, Kenyan National Commission on Human Rights, em inglês), Kagwiria Mbogori. “Temos de esperar pelo melhor, mas estar preparados para o pior”.  

   Felizmente, “o pior” não aconteceu nas eleições presidenciais de março de 2013, apesar de a vitória do presidente Uhuru Kenyatta ter sido questionada por Raila Odinga (assim como em 2007). Coincidência ou não, fontes do jornal britânico The Observer afirmaram que havia parentes do presidente no shopping na hora do ataque terrorista e somente quatro cidadãos americanos foram identificados entre os mortos. Barack Obama, então presidente dos EUA, tem parentes no Quênia

   Kenyatta  prometeu revidar e a União Africana convocou reunião de emergência. No final de minha estadia no Quênia, o governo americano declarou alerta máximo para risco de atentado na cidade, pedindo a seus cidadãos que deixassem o Quênia imediatamente. Nada aconteceu à ocasião, mas a tensão só vinha crescendo – em setembro de 2012, o governo queniano disse ter evitado um atentado da Al-Shabbab, prendendo suspeitos com grande quantidade de armas –,  até culminar na trajédia do shopping. 

Tribunal Penal Internacional

Kenyatta foi acusado de crimes contra a humanidade por incitar a violência em massa em 2007 e julgado inocente em novembro de 2014 pelo Tribunal Penal Internacional (International Criminal Court – ICC, em inglês). Todas as acusações contra ele, incluindo estupro e assassinato em massa, foram retiradas por falta de provas, apesar de o tribunal ter reconhecido a ocorrência de intimidação e perseguição das testemunhas – o que levou uma testemunha-chave a se recusar a testemunhar no julgamento e outra a admitir que teria mentido. O então primeiro ministro do Quênia, William Ruto, também processado pelo Tribunal Penal Internacional pelo mesmo motivo, foi igualmente absolvido.

    Vale observar que o  governo do Quênia combate a Al-Shabbab negociando com ex-senhores da guerra civil somali na fronteira com a Somália, que, embora seja um estado praticamente sem governo, tem no governo oficial um aliado dos EUA e, consequentemente de Kenyatta. Essa cooperação vale apenas para a região fronteiriça somali e não chega à capital, Mogadishu, onde tropas americanas foram historicamente hostilizadas.

(Juliana Resende/brpress)

Leia mais sobre a visita de Juliana Resende ao Quênia aqui e aqui

Juliana Resende

Jornalista, sócia e CCO da brpress, Juliana Resende assina conteúdos para veículos no Brasil e exterior, e atua como produtora. É autora do livro-reportagem Operação Rio – Relatos de Uma Guerra Brasileira e coprodutora do documentário Agora Eu Quero Gritar.

Cadastre-se para comentar e ganhe 6 dias de acesso grátis!
CADASTRAR
Translate